A insustentável inocência da Benfica SAD
1 - No seu artigo de ontem aqui, António Bagão Félix criticava justamente a dualidade hipócrita daqueles portistas que há tempos sustentavam que Francisco J. Marques, o porta-voz da SAD do FC Porto, tinha divulgado os célebres mails do Benfica sem o conhecimento e consentimento dos seus patrões portistas e agora se indignam com a sentença da Relação de Lisboa que, ao julgar o processo e-toupeira, concluiu exactamente o contrário: que Paulo Gonçalves fez as tropelias que fez à revelia e sem o consentimento e conhecimento de qualquer dirigente da SAD do Benfica. Tem toda a razão. Enquanto portista, mas não hipócrita, não tenho uma dúvida de que a divulgação dos mails do Benfica levada a cabo por Francisco J. Marques foi feita com o consentimento e conhecimento de alguém com poderes para tal na SAD do FC Porto. E, mais: com o seu entusiasmo - como, aliás, o de todos os portistas. Até porque, e continuando a não ser hipócrita, nem se compreenderia que os dirigentes do FC Porto deixassem escapar uma ocasião daquelas para exporem publicamente os meios de que o Benfica não hesita, ou não hesitou, em lançar mão - «missas», «padres» e outras encomendas do género - para atingir os seus fins.
Ficando isto claro, pela parte que me diz respeito, têm também os defensores da inocência do Benfica - os não hipócritas - um problema entre mãos. Como defender uma doutrina para o FC Porto e outra para o Benfica? Como se regozijar com a condenação no caso dos portistas e com a absolvição no caso dos benfiquistas? Como pretender que um mero assessor de imprensa da SAD do FC Porto jamais poderia actuar à revelia e com desconhecimento dos seus patrões, mas já o assessor jurídico da SAD do Benfica, o seu representante oficial nos actos da Liga de Clubes (até depois de abandonar funções!), o homem de confiança de Luís Filipe Vieira, com quem trabalhava diariamente paredes-meias, o diligente servidor que, na hora em que teve de sair face ao escândalo, foi publicamente louvado pela SAD pela sua «dedicação e lealdade», tinha montado um esquema jamais ousado de infiltração no computador de magistrados judiciais para ter acesso a processos em curso de justiça respeitantes ao Benfica ou que lhe interessava acompanhar, tudo isso feito com total desconhecimento dos dirigentes do clube e da SAD? Quem acredita nisso de boa-fé?
Acreditam nisso os fanáticos benfiquistas, claro, as gentes de má-fé, por necessidade ou conveniência, uma juíza de 1.ª Instância e um juiz da Relação. (E digo um juiz da Relação e não dois, embora a sentença seja assinada por dois, porque, conforme aprendemos com o célebre acórdão do Desembargador do Porto, Neto de Moura, desde que os recursos para a Relação deixaram de ser julgados por dois juízes e passaram a ser só por dois, é de presumir que na prática é apenas um - o relator - que decide, visto que o outro habitualmente assina de cruz). Neste caso, e sem paninhos quentes, deixem-me dizer que estamos perante uma sentença, assinada pelo Desembargador Rui Teixeira, que vem contribuir notavelmente para agravar ainda mais o desprestígio em que vive atolado o Tribunal da Relação de Lisboa - incapaz, ao cabo de nove meses, de concluir o processo disciplinar (já nem falo do criminal, que não lhe cabe) ao Desembargador e ex-candidato a presidente do Benfica Rui Rangel, um juiz suspeito de corrupção que assim retomou o serviço para, entre outros, julgar casos de corrupção.
É uma sentença mal escrita - o que já vai sendo habitual (já lá vai o tempo em que os juízes escreviam em bom português), sem sustentação jurídica sólida e tão mal argumentada que chega a cair em contradições patéticas - como quando diz que o arguido Paulo Gonçalves agiu unicamente por sua iniciativa «para ficar bem e mostrar serviço perante os patrões, à revelia destes…e para fazer um brilharete». (Então, como é que ele podia ficar bem visto perante os patrões e fazer um brilharete, se aqueles, segundo a sentença, desconheciam tudo o que Gonçalves andava a fazer «à sua revelia»?). Mas o mais extraordinário para mim é quando o juiz, na sua crença benevolente para com a SAD benfiquista, se justifica atacando, forte e feio, toda a investigação da PJ e do MP, que diz baseada em simples presunções, com total ausência de prova directa, documental ou testemunhal. É verdade que essa é, regra geral, a doutrina de investigação em vigor no MP, mas nunca - e daí o meu espanto - os magistrados pareceram preocupar-se por aí além com tal. Para não ir mais longe, peguemos no mais famoso processo investigado pelo MP e actualmente à espera de despacho de pronúncia ou não-pronúncia -o ‘Processo Marquês’, de que o principal envolvido é José Sócrates. Bom, presumo eu agora que nem os leitores, nem mesmo o Desembargador Rui Teixeira, se terão dado ao trabalho de ler as 4.000 páginas da acusação contra José Sócrates. Mas seguramente que leram o suficiente nos jornais - até graças às generosas fugas de informação proporcionadas desde o início do processo - para, se estiveram atentos, perceberem que não há ali a mais pequena prova directa: uma escuta, um testemunho, um documento. Tudo se baseia em presunções, sobretudo, duas: que todo o dinheiro de Carlos Santos Silva, o amigo de Sócrates, de facto, era deste; e que provinha todo de corrupção. Ora, se o maior processo de corrupção jamais investigado em Portugal, envolvendo ainda um ex-primeiro-ministro, é mandado para julgamento pelo MP com base apenas em presunções, porque há de estranhar um juiz que outros o sejam também? Acresce que no caso e-toupeira, não se percebe muito bem o que esperava o senhor Desembargador: que o MP tivesse topado com um despacho, uma instrução escrita, uma escuta telefónica, de Luís Filipe Vieira ou outro dirigente da SAD para Paulo Gonçalves, que trabalhava ali ao lado deles, a ordenar-lhe que levasse a cabo os crimes de que é acusado ou a registar ter tomado bom conhecimento deles?
Enfim, mais uma vitória judicial do Benfica. A terceira: primeiro, foi Vieira a ser afastado das ligações com Rui Rangel; depois a SAD do FC Porto condenada pela divulgação dos mails do Benfica; e agora a absolvição no e-toupeira, nestes termos insustentáveis. Todavia, falta o principal: todo o esquema, mais do que nebuloso, mais do que duvidoso, que, com base no teor desses mails e nas declarações de jogadores do Rio Ave e Marítimo, pelo menos, se suspeita ter sido montado para as bandas da Luz - obviamente sem o conhecimento nem consentimento de ninguém da sua SAD. Esse processo, bem como o do misterioso saco azul, que são os que mais comprometem o bom nome da «Instituição» e a tão falada «verdade desportiva», continuam sem notícias nem avanços que se conheçam. Só eu sei porque suspeito que será a quarta vitória judicial do Benfica. Desta vez, por prescrição.
2 - Em Portimão, o FC Porto jogou 70 minutos de verdadeiro futebol-espectáculo, que eu comprava já até ao fim da temporada. Subitamente, em dois minutos, um golo no primeiro remate do adversário, seguido de um segundo remate que resultou num golo que o seu autor nunca mais repetirá, puseram em causa até ao ultimo e justíssimo segundo de descontos uma vitória mais do que justíssima. Que alguns quiseram ensombrar por um penalty que não terá havido, mas que para o árbitro, o VAR, os comentadores da emissão e eu próprio, nos pareceu claro. Aceito que possa ter visto mal, apesar de todas as repetições e apesar de aquela queda de Jadson, com o braço todo esticado como se estivesse a espreguiçar-se na praia, ser tudo menos natural. Mas daí a pôr em causa o que foi um triunfo mais do que justo, enfim…Não perdem pela demora.