A festa de Braga

OPINIÃO30.01.201903:00

1 Lendo a imprensa - em particular, aqui A BOLA - creio que é possível resumir a pomposamente chamada Final Four da Taça da Liga ao seguinte: a competição foi arruinada pelo VAR, que afastou da final as duas equipas que lá mereciam estar, Braga e Benfica; o Benfica, sobretudo, foi a principal vítima, cordeirinho degolado pelo Senhor dos Roubados; o Braga, excelente anfitrião, viu-se também indecentemente roubado pelo VAR; o FC Porto, como habitualmente, foi o grande beneficiado pelo VAR, mas, felizmente, não conseguiu levar a sua avante graças (ó contradição!) ao mesmo VAR, e, no final, a equipe e o seu treinador portaram-se com um anti-desportivismo exemplar, de que ninguém mais tinha dado mostras; enfim, do mal o menos, o Sporting acabou por ser um justo vencedor, muito embora (ó contradição!) tenha sido o VAR a colocá-lo na final. Acho que isto merece ser melhor esmiuçado.

2 Não vou discutir os casos do Benfica-Porto, vou aceitar a opinião geral e consensual: não há penálti de Jardel sobre Marega aos 2’; há penálti de Rúben Dias sobre Corona aos 8’- seria 1-0 para o Porto (muito embora o Porto e os penáltis seja aquilo que se sabe, a regra é considerar como golo um penálti não assinalado); o golo de Brahimi devia ter sido anulado por falta anterior de Óliver sobre Gabriel - mantinha-se 1-0 para o Porto; Rafa faz 1-1; o golo de Marega é válido - 2-1 para o Porto; o golo anulado ao Benfica é válido - 2-2 ao intervalo; Fernando faz o 3-2 para o Porto. Conclusão: em vez de 3-1, o resultado final teria sido 3-2. Muito barulho por nada, como na peça de Shakespeare. É claro que os benfiquistas dirão que com o resultado empatado, o Benfica não teria ido para a frente em busca de igualdade, desguarnecendo a retaguarda para um contra-ataque mortífero. Pois, mas eu também posso dizer que com o resultado empatado, o Porto iria em busca da vantagem, como já havia feito uma e duas vezes, enquanto que o Benfica se limitaria a esperar por erros defensivos do adversário. Mas uma coisa são factos e golos, outra são especulações.

3 O presidente do clube que diz - sem concretizar, é claro - que os árbitros (e até as suas famílias) são condicionados e ameaçados, tratou imediatamente de decretar que aquele VAR não podia estar mais na arbitragem (depois de antes ter perguntado porque não arbitrava ele mais jogos do Benfica). No dia seguinte, a Comissão de Arbitragem chamou o árbitro e convenceu-o a auto-suspender-se sine die. Exemplar, eloquente. Porque não fizeram isso no ano passado, depois da escandalosa arbitragem do Porto-Benfica, no Dragão, que roubou 2 pontos ao Porto para os dar ao Benfica?

4 Sobre o relato do jogo no Canal Benfica, não é preciso muitas palavras para o classificar. Não se trata, como alguns pretenderam, de comparar o que disse um funcionário do FC Porto no Twitter com o que disse um funcionário do Benfica. Neste caso foi durante o relato de um jogo, num canal de televisão licenciado, que representa o clube e que cobra aos seus assinantes 9,90 euros por mês. Canal esse que é useiro e vezeiro no insulto e na ordinarice para com os adversários (eu que o diga!). E até hoje, decorridos sete dias, e que eu saiba, o Sport Lisboa e Benfica ainda não se demarcou daquele nojo. E ainda vêm falar em anti-desportivismo!

5 O Braga foi um grande anfitrião. Pois foi! A começar pelo estado do relvado do estádio, cujos custos, tal como o foi a construção, são sustentados pela Câmara - isto é, pelos contribuintes. O mínimo exigível ao clube é que tivesse apresentado um relvado em condições decentes, o que esteve bem longe de acontecer. Depois, à conta de um golo bem ou mal anulado - (aqui, as opiniões dividiram-se) - foi o estardalhaço que se viu, digno também de um anfitrião cheio de maneiras e de desportivismo. O presidente a disparar para todos os lados e o treinador aos murros na mesa, completamente desvairado, numa cena inaudita como eu jamais tinha visto a treinador algum de clube algum do mundo. Por causa de um lance em que nem sequer ficou a certeza de o VAR ter errado. Mas o Sérgio Conceição é que foi o campeão do anti-desportivismo…

6 No meio da sua fúria, António Salvador ainda viu o sócio, amigo e cúmplice Luís Felipe Vieira surripiar-lhe dois jogadores que jura já tinha garantidos com o Leixões. Mas, traidor por traidor, preferiu cair em cima do elo mais fraco, o de Matosinhos, que isto do respeitinho é importante manter. Mas saiu-lhe o tiro pela culatra: o de Matosinhos respondeu-lhe forte e feio: «Quem, subserviente, eu?» Enfim, estava tudo montado para chegarem os dois compadres à final e depois lá ganharia quem já se sabe, mas eis que lhes estragaram a festa, pá…

7 E, então, o Sporting foi um «justo vencedor». Em duas edições consecutivas levantou duas vezes o troféu sem ter ganho qualquer jogo, sendo dominado nos quatro jogos e jogando todos eles apenas e só à espera dos penáltis. Na final contra o Porto, foi salvo  aos 92 minutos, não apenas por um penálti, não apenas pelo VAR, não apenas por um daqueles penáltis retroactivos, em que o VAR rebobina o filme, mas também por um daqueles penáltis que dão que pensar: dois jogadores  vão chutar a mesma bola, um chega antes e chuta-a sem sentido, o outro chega um segundo atrasado e acerta na perna do primeiro («sem intenção, apenas descuido», na apreciação de Duarte Gomes) - penálti, golo, empate, título, Campeão de Inverno. Tem razão Frederico Varandas em dizer que sem o VAR o Sporting não teria ganho a Taça da Liga. Um portista não ficaria feliz em ganhá-la assim e com exibições destas, duas vezes de seguida. Mas para um sportinguista é diferente.

8 Enfim, o FC Porto, o mau da fita, o bombo da festa. Foi a única equipa que ganhou um jogo da Final Four e a que mais fez por ganhar os dois. No jogo contra o Sporting não podemos queixar-nos só da sorte e dos penáltis. Mas também da esterilidade ofensiva: tantos ataques e raros remates à baliza! Uma segunda parte em que o Sporting foi sufocado até cinco minutos do final e esse domínio traduziu-se apenas num golo fortuito. André Pereira bem pode ser apontado como exemplo dessa inoperância atacante - foi inexistente. Depois, a cobrança dos penáltis, como todos os portistas já esperavam, foi mais uma exuberante demonstração de chocante incompetência - que já vem de trás e não tem concerto à vista. Diz Sérgio Conceição que os jogadores que falharam (e foram quatro!) nos treinos tinham acertado 20 penáltis. Pois deveriam ter acertado 40 ou 80, pois a falta de jeito para a função só se resolve com treino. Mas o próprio treinador também errou quando convocou para um dos penáltis, e logo o decisivo, Felipe - um jogador incapaz de acertar um passe a dez metros de distância. Uma tristeza!

9 Enfim, o tão oportunamente explorado episódio do abandono prematuro de campo. Foi infeliz, não devia ter acontecido. Mas é fácil falar de fora e de barriga cheia. Difícil é conseguir manter o sangue frio naquelas circunstâncias, depois de perder um troféu que se persegue há vinte anos, com um golo rectroactivo de VAR, aos 92 minutos, e ainda ter de descer uma bancada pejada de adeptos adversários a insultar-nos, cuspir-nos e tentar agredir-nos (porquê?). A pífia imitação da final da Taça de Portugal, ensaiada por Pedro Proença, deveria ter previsto isso: e se têm sido os jogadores do FC Porto a ter de descer entre os adeptos do Benfica ou vice-versa? Pois, falar é fácil…

10 Agora, não sendo possível aquilo que há muito defendo - que o FC Porto, pura e simplesmente, desista da Taça da Liga, que jamais vencerá (pelo menos, enquanto a final for a penáltis) - ao menos assuma disputá-la, de princípio a final, com a equipa B ou os juniores ou ambos. Porque a factura paga em ter jogado com a equipa principal, para ainda por cima perder como perdeu, numa fase crucial da época para competições muito mais importantes, como o são o Campeonato e a Liga dos Campeões, é verdadeiramente absurda. E temo que essa factura - física, anímica, psicológica - salte já à vista hoje, no jogo com o Belenenses.