A ferida!

OPINIÃO13.12.201900:28

NÃO posso, evidentemente, saber o que aconteceu no famoso túnel do Estádio Nacional entre os treinadores do Belenenses SAD - é assim que tenho de lhe chamar - e do FC Porto. Podemos, com alguma facilidade, presumir que alguma coisa realmente feia e pouco própria de treinadores se passou naquele túnel (ou já fora dele), quando as equipas regressavam aos balneários, no intervalo do Belenenses SAD-FC Porto do último domingo.
Se foi Sérgio Conceição a provocar Pedro Ribeiro ou se foi Pedro Ribeiro a provocar Sérgio Conceição só os próprios ou as testemunhas o sabem exatamente. O que nós vimos, através da televisão, é que os ânimos já estavam relativamente exaltados ainda no relvado, quando os profissionais dos dois clubes saíam para o intervalo.
Pelos vistos, exaltados continuaram no túnel e após o túnel, a caminho das cabinas, alegadamente com agressões verbais e alegadamente com algum contacto físico, e foi, por fim, possível ouvir (nas imagens entretanto divulgadas pela SIC) o treinador do Belenenses SAD acusar Sérgio Conceição de lhe ter dado um soco, apesar de não ter assumido publicamente (por medo?) o que disse naquele espaço, teoricamente, mais privado. Este é o quadro. Aguarda-se o resultado do inquérito disciplinar e as eventuais consequências.
Admite-se, porém, que nem o treinador do Belenenses SAD teria dito o que (se ouve que) disse se nada se tivesse passado, nem o treinador do FC Porto ficaria simplesmente em silêncio se fosse apenas vítima de uma calúnia.
Todos sabemos como Sérgio Conceição tem pisado demasiado o risco sempre que a circunstância no jogo lhe é desfavorável e motiva, por isso, maior pressão, e já por diversas vezes o treinador do FC Porto se tem descontrolado emocionalmente, ora com árbitros, ora com treinadores adversários - a quem costuma acusar (nem sempre justificadamente) de serem responsáveis pelo alegado antijogo que pareceu, agora, tirá-lo, mais uma vez, do sério no jogo com o Belenenses SAD.
Sérgio Conceição nunca foi propriamente um exemplo de controlo emocional enquanto jogador. Mas como treinador tem outras responsabilidades. Deve dar o exemplo para fora, mas também para dentro da equipa que treina. Apesar de ter uma personalidade muito emocional, Sérgio Conceição tem de saber que não pode fazer, reagir ou dizer tudo o que lhe vem à cabeça.
Todos os treinadores são observados e escrutinados como figuras com responsabilidades evidentes, e é também por fatores de personalidade que são treinadores, porque ser treinador exige maturidade para lidar com a pressão, com a adversidade e até com os comportamentos dos outros.
Admito que Sérgio Conceição possa viver dentro do FC Porto um cenário menos estável do que desejaria, porque personalidades como a dele vivem tão intensamente tudo o que faz parte do futebol que se tornam, de algum modo, desgastantes, e mais desgastantes ainda quando os resultados não são o que os outros julgam poder exigir.
É difícil esquecer a reação crítica que a claque com mais peso no clube teve com o treinador sempre que as coisas não correram bem, por exemplo, e talvez permaneça por sarar a ferida aberta com a eliminação da equipa, esta época, da Liga dos Campeões, aos pés do modesto Krasnodar, provavelmente tão aberta que o próprio Sérgio Conceição voltou agora a referir-se a ela, meses depois, reafirmando o demérito portista nesse inesperado e surpreendente desaire.
Apesar das circunstâncias especiais que envolvem um jogo tão emocional e com tanta pressão como é o jogo de futebol, deve o treinador saber gerir mesmo os momentos mais complicados em campo. Um campo de futebol não é uma igreja, é verdade, mas também não pode ser um recinto de comportamentos descontrolados ou agressivos.
Sempre admirei a frontalidade e a paixão que Sérgio Conceição mostra como técnico, mas tornam-se difíceis de compreender algumas das reações do treinador do FC Porto.
Como explicar, por exemplo, o comportamento de Sérgio Conceição com o árbitro deste Belenenses SAD-FC Porto (de Sérgio Conceição e não só, devemos dizê-lo…) quando a arbitragem de João Pinheiro (o melhor árbitro português, na minha opinião) foi reconhecida pela generalidade dos observadores e especialistas como muito boa, tal como, aliás, o trabalho do videoárbitro? parece não ser normal e creio que não poderá ser explicado apenas à luz do empate.
O que parece indesmentível é a dificuldade de Sérgio Conceição lidar, nalguns casos, com a pressão, seja ela consequência do resultado ou de mais qualquer coisa que não é ainda visível. E essa dificuldade só prejudica o treinador campeão pelo FC Porto, cujos méritos como treinador não mereciam passar para segundo plano. Por este andar, podem passar. E é pena!

PS: Fantástica semana europeia, no fim de contas, para as equipas portuguesas, quase todas qualificadas para seguirem na Liga Europa, Benfica incluído (mesmo tão ferido na Champions). Notável a noite do V. Guimarães, mesmo tendo sido o único a dizer adeus!