À espera de Cavani
Marques Mendes resolveu incluir as eleições do Benfica no seu espaço de comentário semanal na SIC, e, certamente, não foi por falta de assunto. Fê-lo porque quis. Houve uma intenção, ao estabelecer um paralelismo bizarro entre a estratégia política da atual Direção presidida por Luís Filipe Vieira e a de qualquer governo em ano de eleições, com o anúncio de muitas inaugurações e a promessa de frutuosos dias no futuro.
Foi um exercício de retórica inatacável, e reflexo de como continuam inspiradores os serões algarvios em agosto, não se desse o caso de, pareceu-me, através de estilo prudente e sem mácula, ter deixado escapar a sua preferência ao dizer o que disse. Obviamente que desagradou aos que estão e agradou aos que querem entrar. Sendo certo também que a intervenção televisiva, tal como foi feita, não podia esperar.
A mensagem, para ser eficaz, tinha de aproveitar esta indefinição sobre o vem-não-vem de Cavani, o qual, à hora a que escrevo estas linhas, deve estar em Madrid, talvez em Paris, Roma ou a caminho de Lisboa, ou em nenhuma destas cidades. Acredito no que leio e ouço, mas neste tipo de negócios prefiro ver para crer. Ou seja, enquanto não houver contrato assinado, e sendo jogador livre, tudo pode acontecer…
Não acompanho o desenrolar do seu processo de aquisição, nem de perto, nem à distância, simplesmente não acompanho, mas sei que se for concretizado, de acordo com os anseios dos adeptos benfiquistas, e o avançado uruguaio, um dos mais proeminentes futebolistas mundiais na atualidade, aceitar envergar a camisola da águia nos próximas três épocas, tal como na política, como alvitrou Marques Mendes, o vencedor do próximo ato eleitoral no Benfica está encontrado, e bem. Sem Cavani, se for o caso, é minha convicção que o desfecho será idêntico, porque as pessoas não são parvas.
Cavani é um trunfo riquíssimo, sem dúvida, sobretudo para Jesus, que ficará com uma equipa capaz de recolocar o Benfica na rota europeia, mas mesmo sem ele a obra edificada por Luís Filipe Vieira mantém o seu imenso valor intocável. Não são promessas, é a realidade erguida com avanços e recuos, erros e defeitos, mas também com trabalho, determinação, coragem, sacrifício e ambição.
Quanto ao resto, como diz o povo, quem não deve não teme, e a seu tempo, no local próprio, se verá. Preocupante, sim, é assistir a tamanho aranzel na praça pública a propósito de notícias espalhadas por mensageiros da verdade e ver o emblema transformado em pasto de intriga onde fautores de alternativas oportunistas se alimentam à tripa-forra.
Valdano, Félix e Simeone
Jorge Valdano, campeão do Mundo pela Argentina, como jogador, em 1986, e ainda campeão pelo Real Madrid, como treinador, em 1995, desde há vários anos optou pelo comentário de futebol, uma espécie de influenciador dos dias de hoje, atividade bem menos desgastante do que trabalhar no relvado e viver sob a pressão constante dos resultados e da intolerância dos adeptos. Sábio e eloquente nas análises que faz, encontra para cada pergunta uma resposta ponderada e abrangente, que agrade a gregos e troianos. Gosto de o ler nas edições de sábado de A BOLA, mas não admiro o estilo complacente com que evita sair da sua área de conforto este filósofo do futebol, simpatiquíssimo, de olhar brilhante e acutilante, no retrato a cores que o jornalista Rogério Azevedo lhe tirou.
Encontrar adjetivação para aplaudir a noticiada aquisição de Cavani pelo Benfica é tarefa que lhe agrada e que o faz sorrir de orelha a orelha. Por ser simples e pacífica, na medida em que só precisa de elogiar as qualidades do jogador uruguaio e felicitar o clube da águia pela arrojada decisão de contratá-lo: «Creio que estará à altura do desafio de jogar no Benfica. É uma grande equipa da Europa e até do Mundo…»
Esta questão era demasiado fácil. Mais complicado, porém, foi dar uma explicação razoável para a relação entre Simeone e João Félix. Valdano preconiza que o jovem praticante está a ser ajudado a completar mais uma etapa de aprendizagem, sublinhando que o treinador do Atlético Madrid pode ser «um grande maestro para o João», embora não seja fácil «encontrar um lugar de indiscutível e à altura do seu também indiscutível talento». Em que ficamos? Alguém entende?
Sem se dar conta da distração, todavia, apontou uma solução: «Bastaram dez minutos em campo para demonstrar que, como dizem os italianos, ‘il talento non é acqua’ (o talento não é água)». Então por que razão Simeone não valoriza esse talento em benefício do coletivo? «O João tem mais 15 anos de futebol pela frente, por isso há que considerar este período ainda como de aprendizagem», insiste.
«A sua grande vantagem é o talento natural que possui», adianta Valdano, e o seu grande azar, acrescento eu, foi ter optado por um clube que tem um treinador que esconde medos por detrás de uma personalidade complexa, que espezinha o talento dos subordinados em obediência a uma disciplina férrea e castradora por ele imposta.
Vinca Jorge Valdano que João Félix deve terminar esta etapa de jogar ao mais alto nível «para ficar ao lado dos maiores». Sob o patronato do igualmente argentino Simeone? Acerca desse pormenor não se pronuncia para manter o equilibrismo que o caracteriza, cabendo ao jogador comer e calar e rezar a todos o santinhos que alguém meta na cabeça do presidente do Atlético Madrid que o seu treinador, por muitas e valiosas que sejam as virtudes que lhe vislumbra, daqui não passa. Chegou à última estação.