A derrota do futebol
Está provado: os clubes não sabem governar-se. É tempo de se legislar no sentido de terminar de vez com o clima de impunidade
C OMECEMOS pelo ato em si: um repórter de imagem ou um repórter fotográfico sabem que têm nas suas mãos centenas, ou mesmo milhares de euros e por esse motivo a tendência deles em qualquer situação de perigo é a de proteção de material tão sensível. É um ato quase mecânico, como quem pega um bebé no colo. São homens ou mulheres que não estão em pé de igualdade perante um agressor. Atacar fisicamente um profissional destes em trabalho é, além da aberração natural do gesto, um ato cobarde, portanto. Uma vez que a agressão a um jornalista é um crime público, o Ministério Público já está em campo. Abriu um inquérito e vamos agora serenamente esperar que a justiça civil siga os seus trâmites - a coisa pode agora doer mais porque já não estamos a falar de justiça desportiva.
Vamos ao contexto: Pedro Pinho fez o que fez porque, como em tantas outras ocasiões no passado, há um sentimento enraizado de impunidade no futebol em Portugal. Quando se pensa que os limites foram atingidos, todos os anos somos confrontados com novos casos. É triste admiti-lo, mas não há outra forma de descrever o futebol nacional da atualidade: ele fede.
Como em tantas outras ocasiões, assistimos a discursos de censura. Ainda ontem ouvimos o presidente do PSD e líder da oposição, Rui Rio, a criticar os acontecimentos de Moreira de Cónegos, na esteira da tomada de posição do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, do Governo PS. Talvez fosse o momento certo para os dois grandes partidos portugueses deixarem de lado os discursos e atacarem o problema de frente: intervenção legislativa.
O tema já foi abordado neste e noutros espaços mas nunca é demais recordá-lo e, agora mais do que nunca, deve impor-se a discussão: enquanto os clubes continuarem a fazer regulamentos em causa própria nunca sairemos da cepa torta. Se Miguel Cardoso, com aquele gesto deplorável no Bessa, não foi severamente punido, tal como a briga entre Sérgio Conceição e Paulo Sérgio em Portimão não teve grandes consequências (aposto que não terá), não é porque quem tem o dever de aplicar a lei é cego, mas porque a lei é branda. E a lei é branda porque os clubes assim o entenderam. Porque são os clubes que fazem e aprovam os seus próprios regulamentos. De tanto se protegerem, desprotegeram a sua imagem para o exterior. Perderam a vergonha e a credibilidade.
Para mudar o estado de coisas, portanto, só com alteração a montante. Por exemplo, pela Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, que permite a atual autorregulação das sociedades desportivas. Num mundo moderno, este seria o caminho, mas infelizmente as SAD são modernas quando não há jogo mas medievais quando a bola começa a rolar.
Precisam os dirigentes dos clubes de ter menos poder. De mandarem apenas nos seus emblemas e não na «indústria», como Pedro Proença gosta de chamar ao futebol profissional. Se acusamos de egoístas os presidentes dos 12 gigantes que tentaram a criação da Superliga europeia, também podemos dizer que os presidentes dos clubes nacionais têm vistas curtas, preocupados com os seus pequenos quintais e nunca pensando no bem comum.
Defendo, pois, uma atuação musculada, mas pensada e estratégica, do poder político. A mesma que fez o Governo forçar a centralização dos direitos televisivos, no que foi uma derrota para os clubes, no alto do seu individualismo. Só assim poderemos um dia ter o que tanto elogiamos noutras ligas europeias: mão pesada face aos prevaricadores e, acima de tudo, rapidez nas decisões.
Atos como os de Pedro Pinho ou as cenas de faca e alguidar nos relvados e camarotes só poderão ser evitados no futuro quando quem está acima destes personagens não tiver o conforto de que beneficiam atualmente.
PS: Pinto da Costa afirmou ontem que não viu qualquer agressão ao repórter da TVI em Moreira de Cónegos. Faz todo o sentido.