A coragem de Frederico Varandas

OPINIÃO24.02.201900:27

Frederico Varandas decidiu abrir o jogo e contar aos sportinguistas o real (ou pelo menos parte...) estado em que os últimos anos de gestão, com especial incidência nos cinco de Bruno de Carvalho, deixaram o Sporting. Pode questionar-se o timing - no dia após o afastamento da equipa da Liga Europa - ou a forma, por poderem as explicações soar a desculpas para uma época que está, a nível do futebol profissional, muito longe de corresponder àqueles que terão de ser sempre os objetivos de um clube como o Sporting. Percebe-se, até, que cansados de guerras e ajustes de contas, os sportinguistas dispensassem mais este lavar de roupa suja na praça pública. Mas há, parece-me, duas boas razões para que Frederico Varandas tenha decidido dizer, agora, o que disse:


1 - Os últimos dias ficaram marcados pelo renascimento de Bruno de Carvalho, um fantasma que, já se percebeu, insistirá em sair do sótão enquanto não o trancarem, de vez, lá dentro e com ele fizerem aquilo que, de facto, merece: esquecerem-no. Foi o livro, foram um conjunto de entrevistas, foram horas e horas do regresso à ribalta de alguém que reclama para si o estatuto de iluminado que poucos - só um, pelo que se percebe ao longo das várias páginas de um manifesto propagandista que faz lembrar tempos e regimes que não deixam saudades... - conseguiram acompanhar, ou compreender, tal o seu brilhantismo. Não é que os apoiantes do primeiro presidente destituído da história do Sporting - por muito que lhe custe, é um facto - tenham, como já se percebeu, grande expressão no universo leonino, mas são uma minoria bastante ruidosa. Bem mais barulhenta, pelo menos, do que  a maioria que, naquela histórica AG na Altice Arena, colocou Bruno de Carvalho no seu devido lugar. Percebe-se, portanto, que Frederico Varandas, especialmente visado pelo seu antecessor, tenha sentido necessidade de colocar os pontos nos is. Voltar a dar a outra face seria, neste momento, um sinal  que não seria bem entendido pelos sportinguistas.

2 - Frederico Varandas está, como qualquer presidente de qualquer grande clube, a ser julgado pelos resultados do futebol profissional. Fez bem, por isso, em dizer que ganhou em seis meses o mesmo que Bruno de Carvalho nos últimos dois anos da sua presidência: uma Taça da Liga. Dois anos marcados por um investimento brutal, uma espécie de all in - bastante feliz o termo utilizado por Francisco Salgado Zenha - sem resultados práticos e que deixaram o Sporting numa situação financeira caótica. E que está, já, a pagar, com consequências a nível desportivo que estão para durar. Pode, aos sportinguistas, custar a ouvir, mas é bom que alguém tenha coragem de dizê-lo. É, no fundo, justo que os sócios saibam exatamente o que se passa no seu clube, em vez de continuarem a ser iludidos por falsas promessas - e por falsos profetas...

NÃO vou dedicar muito espaço às suspeições lançadas por Bruno de Carvalho pelos primeiros resultados da auditoria forense. Tem o Sporting órgãos próprios para resolver essas questões. Ou, sequer, sobre o amadorismo que, a confirmar-se aquilo que se ouviu na conferência de imprensa, marcou a gestão anterior - digo só que a imagem do senhor Orlando, seja ele quem for, a levar dinheiro em mochilas para o banco faz lembrar o clube lá do bairro, que compete nos distritais. Mas vale a pena falar um pouco sobre o ponto a que as direções anteriores - sim, foi mais notório nos cinco anos de Bruno de Carvalho, mas o desinvestimento na Academia começou bem antes... - deixaram chegar a formação do Sporting. A degradação das condições da Academia de Alcochete exposta por Frederico Varandas devia fazer corar de vergonha quem, dizendo amar o Sporting, destruiu aquele que era o principal orgulho dos sportinguistas. E também os que, cegos pelo desejo de ganhar a qualquer custo, fecharam os olhos àquilo que se sabia estar a acontecer.


Não tem, de facto, o Sporting outra solução do que regressar às origens, àquele que sempre foi o seu ADN, e voltar a fazer da formação a base de tudo o resto. Demorará tempo - tempo que não sei, sinceramente, se Frederico Varandas terá -, mas é o único caminho  que permitirá ao clube voltar a ser financeiramente sustentável e, até, desportivamente competitivo. Claro que um clube com o historial do Sporting terá, sempre, de encontrar o equilíbrio para tentar ganhar no futebol profissional, mas não poderá nunca mais, em nome disso, hipotecar de forma tão evidente o futuro. É esse, no fundo, o grande desafio que se colocará no futuro imediato a Frederico Varandas e a quem o acompanha. Será, repete-se, julgado por isso. Mas deem-lhe, pelo menos, tempo para ser julgado pelas suas ideias. Para já teve, pelo menos, a coragem de dizer, às claras, quais são. E essa transparência já é, no Sporting, alguma coisa de novo.