A contestação no Benfica
Ventos passados não movem moinhos. Ou porque Vieira não pode estar para sempre a puxar por aquilo que já fez pelo Benfica...
OPaís acordou esta semana com uma série de ruas em várias cidades, de Norte a Sul, rebatizadas, naquele que terá sido o maior (ou pelo menos o mais visível) sinal de contestação a Luís Filipe Vieira desde que é presidente do Benfica. Saíram a terreiro os defensores do líder do clube da Luz, argumentando que se tratou de uma ação concertada pelos críticos de Vieira. É óbvio que sim, não era preciso dizer, tal a amplitude geográfica da iniciativa. Não é essa a questão principal. Nem sequer deve ser isso o que mais preocupa Luís Filipe Vieira e os seus apoiantes.
O que, de facto, está em causa é o que se encontra na base desta contestação, cada vez mais evidente e ruidosa, ao presidente do Benfica. É verdade que Vieira foi, há quatro meses, reeleito com uma margem confortável. Convém, contudo, não esquecer que já aí, naquelas que foram as eleições mais concorridas da história do clube da Luz, os sócios passaram uma mensagem de descontentamento nunca antes vista durante a presidência de Vieira, que venceu com margem muito menor do que em qualquer outra das eleições a que concorreu: em 2003 foi eleito com 90,47% dos votos, em 2006 reeleito com 95,6% (como candidato único), em 2009 com 91,74%, em 2012 com 83,02%, em 2016 com 95,52% e agora, em 2020, com 62,59%. O adversário que mais fez tremer Vieira em quase 20 anos de presidência do Benfica foi João Noronha Lopes (34,71 por cento), mas, admitamos, uma maioria desses votos terá sido mais de protesto do que, exatamente, uma aposta no projeto de um candidato. Seja pelo que for (processos judiciais, ausência do prometido projeto europeu, ter vencido menos em Portugal do que podia ter vencido ou, simplesmente, cansaço), a verdade é que muitos sócios decidiram deixar de votar em Vieira. Simples.
Não me parece, ao contrário do que alguns parecem acreditar, que haja, apenas quatro meses depois das eleições, uma máquina montada por João Noronha Lopes para minar a presidência de Luís Filipe Vieira. O que há é um descontentamento crescente, já latente em outubro de 2020, na base dos adeptos do Benfica, exponenciado, agora, pelos péssimos resultados da equipa de futebol. É uma verdade incontestável que Luís Filipe Vieira fez uma obra notável. Não só física (no Seixal) ou financeira (ninguém esquecerá como estava o clube depois do inenarrável mandato de Vale e Azevedo), mas também desportiva, conseguindo que o Benfica competisse com o FC Porto pela hegemonia no futebol português, o que parecia, até ao final da primeira década deste século, impossível. Os adeptos estão-lhe por isso agradecidos. Porém, e é isso que Vieira e os seus apoiantes têm de perceber, isso não chega, nem pode chegar, para exigir que os sócios do Benfica se calem para sempre face àquilo que entendem estar mal no clube. Ninguém, em lado nenhum, é eterno e no futebol, mais até do que na vida, é sempre o presente que dita as leis. E a verdade é que o presente do clube da Luz, nomeadamente naquilo que mais importa - o futebol profissional -, é preocupante.
Vieira sabia, quando fez regressar Jorge Jesus uns meses antes das eleições de outubro, o que estava em jogo. Arriscou, e arriscou ainda mais quando gastou mais do que alguma vez gastara para construir um plantel que não pudesse desiludir. Em suma, arriscou tudo. Com isso ganhou as eleições mas perdeu margem de manobra. Uns meses depois, sem Champions, sem Taça da Liga e, mais importante do que tudo, a 13 pontos do Sporting, esta será, porventura, a época mais humilhante de que os benfiquistas se lembram, se compararmos as expectativas criadas e os resultados alcançados. Significa isso que Vieira, reeleito há quatro meses, deva cair já? Claro que não. Mas deve, pelo menos, olhar para a contestação, entender (entender a sério...) o que está na sua origem, salvar o que há para salvar desta temporada, resolver os problemas que tem em casa e convencer os adeptos de que ainda tem aquilo que fez dele um dos melhores presidentes da história do Benfica. Porque, como diz o povo, ventos passados não movem moinhos.