A compreensão
PARA este Benfica europeu, talvez pior do que não ter conseguido ainda apresentar um futebol entusiasmante, intenso, dominador, perigoso, inspirado e criativo, só mesmo pensar - pelo menos pela voz do treinador - que não tem jogado assim tão pouco como diz a crítica nem tão mal como parecem já cobrar os adeptos. Parece o treinador tão ao contrário da maioria - da maioria que fala e comenta e desabafa - que consegue assumir ter visto o que praticamente ninguém viu: que o Benfica fez com o Lyon uma primeira parte de grande nível e que justificou plenamente o resultado. Ora, se o Benfica e o seu treinador não forem capazes de perceber pelo jogo de quarta-feira o quanto ainda está longe do seu melhor, então a coisa pode estar ainda pior do que se imagina.
Nenhum resultado de um jogo de futebol pode ser controlado por treinadores e jogadores. Não depende apenas deles. Mas já depende mais deles jogarem melhor, fazerem passes mais certos, mostrarem melhor ligação coletiva, uns com os outros, e todos com a ideia do treinador, e depende exclusivamente deles uma melhor atitude em campo no sentido de mais foco, mais concentração, mais intensidade, mais capacidade de luta, mais dinâmica, mais movimentação e, sobretudo, mais determinação para não se deixarem, como parece, vencer pela cada vez mais evidente falta de confiança.
Pode, evidentemente, o treinador do Benfica argumentar como entender e dar as justificações que quiser para o que se vê em campo e, muito em especial, para o que não se vê. Pode evidentemente o treinador do Benfica achar que as críticas não fazem qualquer sentido e que todos os que criticam o futebol do Benfica não percebem nada de nada e que, por via disso, só dizem disparates. Pode ainda o treinador do Benfica dar a ideia (superior) de considerar que todos os que dizem ver o Benfica jogar pouco, ou, sobretudo, muito menos do que devia, estão a ver o que não existe, e todos esses serão, no entender do treinador do Benfica, incapazes de perceber a qualidade do futebol da equipa, ao ponto de não terem conseguido ver agora o que o treinador do Benfica viu, que foi o Benfica fazer uma primeira parte de grande nível. Valha-nos não ter dito isso da segunda!
Não pode, porém, o treinador do Benfica negar o inegável: que o Benfica cometeu a proeza (autêntica proeza) de fazer um jogo da Liga dos Campeões, em casa, sem conseguir um único pontapé de canto a favor. Que, tirando a bola ao poste de Pizzi, e o golo - extraordinariamente executado, sem dúvida - do mesmo Pizzi a aproveitar aquela oferta do infeliz guarda-redes do Lyon, mais a responsabilidade partilhada pelo companheiro a quem se dirigia a bola, o Benfica não logrou em toda a segunda parte criar uma oportunidade de golo.
E se considera o treinador do Benfica que faz sentido mesmo para os que nada percebem de futebol que Cervi tenha jogado apenas pela segunda vez nos quase três meses de época a sério, então pela minha parte os treinadores de futebol vão ter de deixar de falar em confiança e ritmo competitivo para mais alguma vez justificarem o rendimento seja de que jogador for.
E, note-se, sou evidentemente um apreciador das qualidades de Cervi, do caráter competitivo do jovem jogador argentino, do compromisso que normalmente estabelece com o jogo e com os companheiros, e, no caso deste jogo com o Lyon, creio mesmo que estava a ser dos melhores quando o treinador decidiu, certamente por incapacidade física, substituí-lo.
Para melhor se compreender a importância de ter um jogador como Cervi, bastaria perguntar por ele ao lateral Grimaldo. Tenho quase absoluta certeza da resposta.
O que me parece ainda que voltámos a ver neste Benfica que, por fim, lá sacudiu na garganta o nó europeu de duas derrotas, foi uma equipa demasiado desligada, com uma cada vez maior falta de confiança - que confiança ganha uma equipa em permanentes mudanças e com tanta opção avulsa?!... - e um número de erros absolutamente impróprio numa grande equipa e num jogo deste nível.
Um exemplo? Gabriel, que nos habituou a acertar 80 por cento dos passes, errou agora esses mesmos 80 por cento; Seferovic voltou agora a ser incapaz de arriscar com o pé direito um só remate, mesmo aquele que estava mesmo a ver-se que não teria sucesso se feito, como fez, e, portanto, mal, com o favorito, que é o esquerdo. E Gedson, que tanto chegou a prometer, esteja hoje melhor jogador do que estava há um ano. Nem por sombras!
Tem o treinador do Benfica, como todos os treinadores, todo o direito de não gostar do que ouve ou lê, e tem ainda o direito de escolher (não) ouvir e (não) ler, como ele, treinador do Benfica, aliás, assume não ouvir nem ler, porque, diz, as críticas, como os elogios, lhe passam ao lado.
Talvez seja por isso mesmo que tem vindo a ver o treinador do Benfica a qualidade no futebol da equipa que talvez muito poucos (talvez mesmo muito poucos) consigam ver. Já para não falar dos poucos (talvez mesmo muito poucos) que conseguirão compreender algumas opções e decisões do treinador do Benfica que o próprio treinador do Benfica explica, afinal, com uma tal eloquência que não se percebe como possam ser tão poucos a compreendê-las.
Uma, porventura, incompreensível pouca compreensão!!!
OFlamengo de Jorge Jesus deu o penúltimo passo para chegar a um sonho de décadas: poder voltar a conquistar a Taça dos Libertadores, a Champions da América do Sul que o Flamengo ganhou, pela única vez, há quase 40 anos, e talvez nunca, como hoje, tenha voltado a estar de novo tão perto de lhe tocar. Mas o Flamengo de Jesus não fez apenas isso, ganhar um lugar na final da mais importante competição de clubes do continente, e só isso já seria tão poderoso, extraordinário e emocionante; o Flamengo de Jesus ainda enlouqueceu adeptos, apaixonados, observadores, analistas e, estou certo, até adversários, com uma exibição de gala na madrugada de quinta-feira (em Portugal), num mítico Estádio do Maracanã cheio de esplendor, que testemunhou a histórica vitória do Flamengo por surpreendente 5-0 sobre um adversário temível, e com qualidade, como era, justificadamente, o Grémio de Porto Alegre.
Estou, aliás, certo de que aquilo que o Flamengo fez emocionou também muitos milhões de portugueses, os que mais admiram e até os que menos admiram Jesus, porque Jesus tem isso mesmo, o carisma de a ninguém ser indiferente. Os que o admiram seguem-no e apoiam, e os que não admiram talvez o sigam apenas, incontornavelmente ao ponto, creio com todas as letras, de terem de reconhecer que Jesus, as equipas de Jesus, os jogadores de Jesus, jogam bom futebol, fazem apaixonar e vibrar os adeptos, marcam golos, ganham jogos, discutem títulos e fazem história. Há muito que digo e escrevo que Jesus faz bem ao futebol. E faz. Mesmo admitindo, como admito, que nem tudo o que Jesus disse, e como disse, no passado se deve escrever (no sentido de concordar / compreender / aceitar) do mesmo modo que todos deveriam admitir que tudo aquilo que não se gostou de ouvir de Jesus no passado não pode, nem deve, confundir-se com o que Jesus fez e faz como treinador de futebol. Como grandíssimo treinador de futebol!
Bem compreendo Jesus, por outro lado, quando Jesus diz reconhecer ter encontrado no plantel do Flamengo, mais do que talento, um invulgar espírito profissional e uma surpreendente dedicação ao trabalho. E compreendo porque poderia Jesus ter as melhores intenções, aplicar os mais sábios conhecimentos, estabelecer a mais confiante das ligações com os jogadores, ter a mais clara das ideias do que quer e saber com total clareza explicar exatamente o que quer - que é o que ele faz e com o que faz muita diferença -, que se os jogadores não tivessem caráter, determinação e espírito nem Jesus os convenceria.
É preciso trabalhar, na verdade, com uma equipa tão profunda e abertamente disposta a aprender e com jogadores tão aptos e inteligentes para interpretar e aplicar as ideias do treinador, para que a todos nós fosse hoje possível ver o Flamengo jogar o futebol que tem jogado, e, sobretudo, jogar o futebol que tem encantado, não apenas o Brasil, mas muitos pontos fora do Brasil (a começar por Portugal) onde estou certo que o Flamengo de Jesus é seguido agora com profunda admiração, paixão e entusiasmo.
Diz Jesus, e dizem os jogadores de Jesus, que o Flamengo ainda nada ganhou. Mas seria enorme a injustiça se fôssemos incapazes de reconhecer o muito que o Flamengo já ganhou com Jesus e o muito que já voltou a emocionar-se com o jogo da equipa de Jesus!
É essa a beleza do futebol!
PS: Parece o FC Porto igualmente um pouco «zangado» com a Europa, onde voltou a não conseguir brilhar, nem vencer; mas venceu extraordinariamente o Braga, quase venceu extraordinariamente o Guimarães, e, sem nunca conseguir ser extraordinário, lá venceu o Sporting, muito, aliás, com a mesma aura de felicidade com que venceu o Benfica. Mesmo sem grande sabor, será sempre esse o primeiro objetivo do futebol. Não pode é ser o único!