A classe da águia e a tarimba do dragão
Quando faltam cinco jornadas para o termo do Campeonato os dois principais candidatos ao título não dão sinais de fraqueza. E são principais porque, em rigor, há mais dois ainda com candidaturas pendentes: a do SC Braga, que vai receber o Benfica, e a do Sporting, por estar mais perto dos da frente e ter a oportunidade de na derradeira ronda visitar o dragão e… vencê-lo.
Este exercício tem algum cabimento unicamente em função da proximidade pontual entre quatro primeiros da classificação, mas ninguém admite a possibilidade de reviravolta tão significativa no pouco que falta cumprir. É verdade que sportinguistas e braguistas podem interferir na contagem final, mas as atenções continuam centradas no ombro a ombro que benfiquistas e portistas galhardamente mantêm, sem emergir neste exato momento, e do meu ponto de vista, indício que permita arriscar com o mínimo de fundamento qual deles evidencia mais argumentos para terminar a prova no primeiro lugar.
O que se observa, sim, é um debate interessante entre dois estilos de futebol:
FC Porto, mais compacto, robusto, adulto e musculado, mas menos estético e imprevisível, alicerçado em estrutura consistente e reforçada ao longo de quase dois anos de trabalho orientado para um determinado conceito que, por sua vez, reflete uma identidade diferenciadora. Por isso se diz que o Porto é o único com envergadura europeia.
Construiu e valorizou uma imagem de marca que o torna temido por ser capaz de fazer muito com pouco. Além de atribuir muito valor a cada golo que marca e detestar que os adversários desfrutem de idêntico prazer, motivo por que é a partir de trás, da solidez da organização defensiva, que o seu futebol flui. Encorpado e de grau forte para apreciar com prazer e moderação. Como alguém me resumiu: pode não deslumbrar, mas raramente compromete.
Benfica, mais irreverente, agradável, elaborado e belo, mas menos agressivo e combativo, sequelas de passado recente que as novas e elogiadas dinâmicas de Lage ainda não diluíram por completo. Mais instável também, por apostar na elegância exibicional em detrimento de sacrifícios vários que a alta competição reclama sempre, independentemente do nome do oponente. De aí falar-se de equipas equilibradas, que funcionam em bloco e a uma só voz e de outras em que a uma forte tendência finalizadora não corresponde a necessária segurança defensiva. Creio que o Benfica integra este grupo , frenético, empolgante e com sentido de baliza, mas sem conseguir mostrar colheita para tamanha produção goleadora.
A talho de foice, até parece que, de repente, se tornou fácil marcar golos ao Benfica. Nem falo nos que sofreu diante do Eintracht para a Liga Europa, na sequência de falhas graves, de Fejsa, Jardel e Vlachodimos. Fico-me pelo que permitiu ao Feirense, um lapso de comunicação reprovável, e pelos que consentiu ao Vitória de Setúbal: num faltou gente, noutro faltou cuidado.
A diferença mais significativa entre águia e dragão, porém, mede-se pelas políticas desportivas que cada emblema defende: na última jornada, o Benfica apresentou sete titulares portugueses (André Almeida, Rúben Dias, Ferro, Pizzi, Florentino, Rafa Silva e João Félix - 64%), utilizou mais um (Jota) e teve no banco dois não utilizados (Yuri Ribeiro e Gedson), em contraposição ao FC Porto com três titulares (Manafá, Pepe e Danilo - 27%), um suplente utilizado (Bruno Costa) e um não utilizado (André Pereira).
Cada qual definiu o seu caminho: o Benfica, finalmente em sintonia com a base de formação no Seixal, confirmando o presente e abrindo as portas ao futuro; o FC Porto, mais virado para o consumo imediato, optando por comprar já feito e por medida em vez de investir num projeto próprio, que abraçou e desabraçou.
Faltam cinco jornadas e a atitude jornalística mais sensata será a de esperar para ver. Que aconteça desfecho que anime a discussão e agite este ramerrão em que a cada semana se repete o que foi perguntado e respondido na anterior.
O FC Porto tem a tarimba e o Benfica a classe. Mais, acredito que os ventos de mudança sopram, e com força. À 16.ª jornada, quando Bruno Lage foi trazido à cena, o FC Porto era líder (39 pontos) e o Benfica quarto (32). Hoje, estão a par: prova de que o dragão estagnou e a águia progrediu. Provavelmente, um simples detalhe que também poderá ser interpretado como anúncio de novo ciclo para os anos vindouros, com Benfica em alta e Porto em quebra. É a flutuação dos mercados…