A catedral dos cónegos
1 Uma sexta-feira desoladora. O Benfica perdeu com o Moreirense, assim completando 8 pontos perdidos nos 12 possíveis das últimas quatro jornadas. Curiosamente, o jogo em tese mais difícil - contra o Porto - foi o único que o Benfica venceu. Será que a lógica do futebol é uma batata? Há quem diga que sim, mas se o dito tubérculo até pode contribuir para a imprevisibilidade e a surpresa no futebol, temos de analisar o sucedido em pontos mais próprios da razão do que da batata.
Em Chaves, o Benfica marcou cedo - ultimamente parece uma sina o Benfica soçobrar quando marca no início - mas deparou-se com um oponente que jogou melhor e de modo mais clarividente. Contra o Belenenses, SAD, já aqui disse a semana passada, quão infrutífero foi o domínio encarnado e quão dúctil foi o meio-campo e a defesa. Finalmente, na Luz contra o Moreirense - e por muito que o deseje negar ganhou a melhor equipa. Nos últimos três jogos (Ajax, Belenenses, SAD e Moreirense) houve 60 remates e um mísero golo! Volto ao que aqui disse na anterior crónica: a medida definitiva da competência e da capacidade mede-se pela eficácia e, inexplicavelmente, o Benfica tem sido de uma pobreza franciscana, cada vez mais tolhido psicologicamente.
Não creio que a época esteja hipotecada, mas começa a estar complicada. A média de mais de 50 mil adeptos que têm ido à Luz e uns bons milhares que sempre a acompanham nos jogos fora de casa merecem bem mais. Custa-me a perceber como jogadores exibem no espaço de poucas semanas um retrocesso na sua forma e no seu desempenho, sem que tal se possa explicar pelo número de jogos até agora.
No último encontro, devo reconhecer que o treinador do Moreirense deu uma cabazada ao treinador do Benfica, apesar de ter começado o jogo praticamente a perder e de, em regra, essa circunstância ser uma forte machadada em qualquer estratégia que venha gizada. Ivo Vieira veio com a lição bem estudada, sobretudo atendendo a dois factores que, certamente, beneficiaram de uma análise minuciosa dos últimos jogos encarnados: o primeiro, o enorme espaço entre linhas (às vezes, roçando a bagunça) que permite aos adversários trocar a bola e fazer jogadas de contra-ataque com relativa tranquilidade. Assim foram os golos do Belenenses, SAD e os do Moreirense. O primeiro da equipa minhota foi uma dádiva do Benfica que, a ganhar por 1-0, estava todo na frente com dois ou três defesas atrás separados por quase 50 metros. Idem aspas no segundo e também no terceiro onde ninguém pressionou o jogador que faz um remate do meio da rua. O segundo factor que, aliás, já atrás referi, foi o da ineficácia (o lance do Rafa depois de ultrapassar o guardião foi paradigmático), acompanhado de três circunstâncias que têm ensombrado o ataque: o desperdício de praticamente todos os livres e até dos dois penáltis assinalados, mas não convertidos, a cerimónia em chutar à baliza, muitas vezes até precedida de movimentos bem gizados e a falta assinalável de rematadores fora da área.
Para além de tudo isto e de uma defesa muito débil, de que se destacam os 9 golos sofridos contra Chaves, Belenenses, SAD, Moreirense e Guimarães, outro ponto deve merecer cuidado. Este último jogo foi o quarto em que o Benfica acaba a partida com 10 jogadores, depois de expulsões de … 4 defesas-centrais. E se a de Lema contra o FCP foi por demais injusta, as outras foram ou infantis (Rúben Dias na Grécia e Conti em Chaves) ou inexplicáveis, como foi o caso do capitão Jardel perdendo a cabeça disparatadamente.
Um último ponto quero aqui analisar brevemente. O melhor jogador em campo no jogo da Luz foi Chiquinho, que o Benfica foi buscar à Académica no defeso para dar uns toques num joguito de preparação e que, logo de seguida, foi transferido para o Moreirense, ao que se diz para resgatar Alfa Semedo. Não sei se esta sua bela exibição na Luz foi uma excepção brilhante num jogador mediano. Até pode ser que sim, pois nunca o havia visto jogar. O que me custa a aceitar é este tipo de trocas e baldrocas que, em boa verdade, são habituais nos clubes grandes de Portugal. Compra-se, troca-se, vende-se, transfere-se tudo em ziguezague, não raro, errático e inconsequente. E quem ganha com isso? Não preciso sequer de dar a resposta. É óbvia. Ao invés, Castillo provou, neste jogo contra o Moreirense, porque não tem lugar no Benfica.
2O jogo foi precedido por uma extensa entrevista do presidente do SLB na TVI. Ter-se-á tratado do melhor desempenho de Luís Filipe Vieira, respondendo às muitas questões levantadas com serenidade e firmeza de intenções, além de ter comunicado com mais clareza e assertividade. Para tal, diga-se de passagem, contribuiu o bom desempenho do entrevistador Sousa Martins que percorreu todas as áreas, desde as mais de fundo até epifenómenos de que o futebol e a curiosidade também muito se alimentam. Não que eu esteja de acordo com tudo o que Vieira disse, mas tem o meu reconhecimento pela notável mudança que os seus mandatos à frente do clube têm proporcionado em todas as vertentes, desde a desportiva, à patrimonial e infraestrutural, financeira, organizativa, de marketing e à reabilitação da formação e das modalidades.
Pena foi que, uns dias depois, o presidente do meu clube se tenha entusiasmado em demasia e na justa celebração dos 15.º aniversários das suas funções e do novo Estádio da Luz se tenha deixado embalar por devaneios oníricos de probabilidade tendencialmente nula. Refiro-me ao sonho de voltar a ser campeão europeu com a grande maioria dos jogadores formados no Seixal. Eu cá também gosto de sonhar. Porém, quando acordo fico apenas com a nostalgia do feito sonhado dentro de mim, que é onde eu guardo o que só em sonho se pode repetir.
Curiosamente, na mesma semana, veio a público a tramóia dos tubarões, estimulada por certos poderes estabelecidos, de criar, já em 2021, a Superliga europeia com 16 clubes, dos quais 11 nunca seriam despromovidos(!) sendo 5 ingleses, 2 espanhóis, 2 italianos, 1 francês e 1 alemão, a que se juntariam provavelmente mais 2 italianos, 1 espanhol, 1 alemão e 1 francês! Definida e institucionalizada a nova casta europeia dominada pelo dinheiro e outros meios de influência, ficará o resto para a Europa de segunda classe. Será que Luís Filipe Vieira estaria a pensar neste figurino mais secundário?
3 Volto ao pesadelo da sexta-feira, dia dos Finados antecedido pelo frenético Dia das Bruxas. Apenas para sublinhar dois pontos da transmissão televisiva, através da BTV. O primeiro referente ao profissionalismo e clarividência de que, mais uma vez e num momento delicado e difícil, Hélder Conduto deu prova. Assim prestou um excelente serviço ao jornalismo e ao canal do clube, sabendo separar o que certamente lhe ia na alma da exigência deontológica e da responsabilidade de isenção inerente à sua função. O mesmo não posso dizer do jornalista e do comentador do passado Porto-Feirense, que chegaram ao ridículo de num minuto terem mudado categoricamente de opinião no golo validado (em indiscutível fora-de-jogo) aos portistas pelo árbitro/VAR, certamente dilucidados por obra e graça dos santinhos.
Há, todavia, um aspecto que critico veementemente na transmissão do Benfica-Moreirense. Como não estive no Estádio, reparei que, no fim do jogo e perante a desilusão dos benfiquistas, a realização evitou (censurou) imagens das bancadas, onde - segundo li depois - a contestação era visível com, por exemplo, lencinhos brancos, tradição que, devo dizer, abomino. Entre planos fechados e centrados no relvado e planos bem distantes onde nada se distinguia, assim foi o fim da transmissão em sintonia com a paupérrima exibição e péssimo resultado do Benfica. É caso para se dizer que «não havia necessidade» e para afirmar que a televisão do clube não é de A, B ou C, mas de todos os seus sócios. Seja, quando efusivamente se abraçam e batem palmas ou incentivam a equipa ou quando, desgostosa e ordeiramente, exprimem um estado de espírito de desânimo ou de alguma revolta.
P.S.1 - «Fuga ao pódio da vergonha» foi o título em A BOLA no passado domingo, por «estar à vista» (se perder com o Ajax) o pior registo de derrotas consecutivas do Benfica. Vergonha é, segundo os dicionários, desonra, perda de dignidade, humilhação, opróbrio. Uma palavra por demais excessiva e deslocada, como se perder no futebol significasse o que não significa… A semântica ainda deve ser o que sempre foi!
P.S.2 - Saborosas as vitórias em basquetebol e hóquei contra o Porto. No clássico no rinque de patinagem, o Benfica também teve direito ao seu minuto 92 de felicidade. Neste caso, ao último segundo do jogo!