A brincar, a brincar...

OPINIÃO16.10.202003:15

Do ponto de vista desportivo, só pode realmente concluir-se ter-se tratado de uma dupla jornada muitíssimo positiva para a Seleção Nacional, a que se concluiu a meio desta semana, com o exuberante - mas nem sempre fluido e esclarecedor - sucesso sobre a Suécia. Mas vejamos como mudou o paradigma: há uns anos, empatar com a França em França, como sucedeu no último domingo, era um resultado simplesmente extraordinário; agora, que empatámos com a França em França - e a França tem, reconhecidamente, uma das melhores seleções da atualidade e é a campeã mundial em título -, até soube a menos do que podia ter sabido, porque a verdade é que a França teve tanto respeitinho pela Seleção Nacional que quase me atrevo, do alto do meu sofá, a dizer que, com um bocadinho de maior atrevimento, até teríamos, provavelmente, chegado ao triunfo. É incrível, não é?
A verdade é que com mais Cristiano Ronaldo ou menos Cristiano Ronaldo, com mais ou menos João Félix, Bruno Fernandes ou Bernardo Silva, com mais ou menos Nélson Semedo, João Cancelo, William Carvalho ou Danilo, o que passou a ser mais tramado é, realmente, ganhar a Portugal. Já começa, aliás, a ser mais difícil ganhar a Portugal do que Portugal conseguir ganhar a qualquer seleção do mundo. Por isso, com a França foi o que se viu e o que se viu com a França foi uma França a não conseguir, nem de perto nem de longe, aproximar-se sequer da possibilidade de se vingar - não gosto do termo mas é, com todo o respeito, o que dá jeito… - da derrota de há quatro anos, naquele mesmo estádio, num jogo então incomparavelmente mais decisivo e importante, mesmo que para os homens do futebol, como diz o nosso engenheiro Fernando Santos, todos os jogos sejam importantes.
Claro que a eventual vitória da França no último domingo nunca poderia compensar o desaire na final do sensacional Campeonato da Europa de 2016, que os próprios franceses organizaram e vieram - imagino com que desilusão - a perder, e logo para os portuguesinhos da silva com quem, e essa é que é a grande diferença, já ninguém brinca como, noutros tempos, chegaram a brincar. Tudo mudou muito graças à dimensão e qualidade e valor e peso e estatuto e ambição e mentalidade que Cristiano Ronaldo veio, indiscutivelmente, dar ao futebol português e à Seleção Nacional, mas também, evidentemente, muito pela relevância que a grande maioria dos jogadores portugueses passou a ter com a presença em muitas das melhores equipas do futebol europeu.
Claro que já vínhamos tendo isso há mais de duas décadas, quando os Baías, Paulos Sousas, Figos, Ruis Costas e Fernandos Coutos desta vida trouxeram para a Seleção também muito do que de melhor foram absorvendo nos grandes clubes por onde andaram. Mas, queiramos ou não, foi a partir de Cristiano Ronaldo, nunca me canso de o dizer para que todos, mesmo porventura discordando, o compreendam de uma vez por todas, foi a partir de Cristiano Ronaldo que tudo ganhou dimensão notavelmente superior.
Sem qualquer moralismo, deixo apenas um exemplo: há duas ou três décadas, era raro o jogador da Seleção Nacional que não fumasse; hoje, é raro aquele que fuma!

Além disso, o futebol português desenvolveu tantos e tão bons jogadores nos últimos anos que não há que temer nada para a próxima década. Portugal tem, seguramente, um grupo de 40/45 jogadores de enorme qualidade na bolsa de selecionáveis. E hoje mesmo, com o grupo que Fernando Santos acabou de convocar para os jogos oficiais com a França e a Suécia, Portugal já conseguiria fazer o que talvez nunca tenha podido fazer em toda a sua história - duas seleções de nível. Façamos uma equipa com quem não foi titular com a Suécia, quarta-feira (ou, tendo sido convocado, ficou indisponível por causa da Covid-19), exceção feita ao capitão Ronaldo, porque esse, desculpem-me, nunca poderá ficar na segunda equipa, mesmo a brincar:
Anthony Lopes; Nélson Semedo, José Fonte, Rúben Semedo e Mário Rui; Moutinho, Rúben Neves e Renato Sanches; Podence, André Silva e Diogo Jota…
… sim, Diogo Jota, porque o menino Diogo Jota, por tão grande que cada vez mais pareça ser, nunca teria sido, creio, titular se o maldito vírus não se tivesse metido com Cristiano Ronaldo, que vai agora, aposto, dar-lhe 5-0, e voltar aos campos ainda mais forte, se é que é possível vermos CR7 ainda mais forte do que está, mesmo com os 35 anos que parece impossível que tenha!
Volto à quantidade/qualidade do campo de recrutamento da Seleção Nacional, que deve incluir, por estes tempos, talvez sim, um grupo de 40 jogadores como talvez a Seleção nunca tenha tido, porque talvez a Seleção nunca tenha tido também tantos jogadores em tantos grandes clubes e em tantas grandes equipas de topo ao mesmo tempo, a mostrarem como a escola portuguesa está aí para continuar a dar cartas, como o prova, sem qualquer dúvida, e uma extraordinária emoção, a transferência para o grande Liverpool (uma das cinco melhores equipas mundiais do momento) desse pequeno-grande jogador em que está transformado Diogo Jota.
Não podia CR7 ter tido melhor substituto no jogo com os suecos, e esse será, enfim, o melhor dos elogios que podemos fazer ao jovem e fantástico Diogo, a quem tantos, como eu, não souberam - por falta de conhecimento ou por mania das grandezas - projetar há mais tempo o valor que ele realmente tem ou reconhecer-lhe capacidade para chegar onde agora chegou. Admito, sem qualquer presunção, que já gostava muito de o ver no Wolverhampton a atacar cada desafio com a grandeza que distingue os que têm a mentalidade certa para competir, e ele há muito que parece realmente ter a mentalidade certa.
Mas chegar onde chegou e fazer o que está a fazer e mostrar a dimensão e qualidade que está a mostrar, sejamos francos e tenhamos a humildade de reconhecer que foi uma valente estalada que deu a muitos de nós. Bravo, Diogo!

Mas pode ter sido Diogo Jota grande figura com a Suécia e pode até o jovem Trincão (grande será o futuro deste miúdo!) ter deixado aquela água na boca nos poucos minutos em que esteve em campo olhos nos olhos com os franceses. Vimos, na verdade, outros jovens a dar cartas, como Cancelo ou Semedo, Guerreiro, Rúben Dias, Renato Sanches, Bruno Fernandes, Félix ou Bernardo Silva… mas quer com a França, quer com a Suécia, o mais impressionante foi ter visto o mais velho jogador da Seleção a parecer sempre um dos mais novos.
Estou muito à vontade para elogiar Pepe, porque do mesmo modo que lhe reconheço, há anos, o talento e a capacidade para se tornar, como se tornou, num dos melhores centrais do mundo, também lhe critiquei comportamentos e duvidei de traços de caráter e considerei que talvez não viesse a ter estrutura mental para chegar a líder e a exemplo em campo como acaba, agora, a caminho dos 38 anos, por mostrar ser!
Este Pepe que vimos com a França e com a Suécia é o Pepe que todos queremos e temos de admirar. Brutal como foi a jogar, com exibições absolutamente portentosas, e exemplar como capitão que é quando não joga CR7 ou Moutinho.
Se Pepe é o mais velho (e é!) não pareceu nada, pelo contrário. E nesta dimensão, Pepe vai parece um daqueles jogadores italianos (e tanto respeito Itália tem por eles) que chegam à ternura dos 40 sãos como um pero e frescos como uma alface!
Para mim, nesta dupla jornada da Seleção, Pepe foi mesmo o maior!

Deve a Federação Portuguesa de Futebol ter tido tanto com que se preocupar nos últimos dias - a dupla jornada da Seleção, mais os sempre desagradáveis casos de Covid-19 que afastaram da equipa nacional José Fonte, Anthony Lopes e, por último, Cristiano (felizmente, todos eles, que se saiba, sem qualquer sofrimento físico) -, que nem teve um momento para se lembrar de requerer à UEFA, para o Portugal-Suécia de quarta-feira, um minuto de silêncio em memória do grande Ângelo Martins, esse bicampeão europeu pelo Benfica e internacional por Portugal, que morreu no último domingo. Uma pena!
Ângelo merecia essa homenagem do futebol português porque foi, sem dúvida, um dos grandes da sua geração e, naturalmente, um dos grandes da história do nosso futebol. E mereciam-no também, e sobretudo, os adeptos contemporâneos de Ângelo, que o viram jogar e viram o que simbolizava. Ângelo, nunca é demais recordá-lo, foi ainda sete vezes campeão nacional e esteve na conquista de cinco Taças de Portugal, tudo ao serviço do Benfica, único clube que representou (quase 15 anos) como sénior.
Sobre Ângelo, faço minhas, por fim, as palavras do meu camarada Gonçalo Guimarães - também eu só fiquei a perceber o que é isso de se ter ou não ter mística depois de conhecer o senhor Ângelo pessoalmente.
A mística, afinal, era ele!