A barreira dos sub-19
No período do ano em que representantes, agentes ou empresários se afadigam e abundante caudal de informações fazem chegar aos meios de comunicação para defesa do negócio que continua generoso para eles, como o volume das comissões atesta, e num tempo em que o potencial de jovem candidato a futebolista de sucesso se avalia mais pela cláusula de rescisão contratual do que propriamente pelas qualidades individuais que poderão fazer dele um campeão autêntico, não é despiciendo refletir sobre o título conquistado pela Ucrânia no Mundial sub-20, que terminou no último fim de semana, enquanto Portugal, um país que quer valorizar cada vez mais os méritos da sua formação, foi representado por uma Seleção de rapazes convencidos de serem o que ainda não são e talvez nunca cheguem a ser.
Apresentámos uma equipa banal no desempenho, apesar de supostamente apinhada de ilustres na arte de bem jogar. Fomos excluídos da prova devido ao modesto terceiro lugar no grupo. Para aliviar a dor, porém, e como já é hábito em idênticas circunstâncias, aparecem sempre almas caridosas a defenderem a tese de que os nossos génios da bola regressaram mais fortes e maduros porque viveram uma experiência enriquecedora que os ajudou a crescer e os protegerá em situações futuras.
Lérias, não mais do que lérias. Os talentos, na maioria dos casos sobrevalorizados, estão-se nas tintas e continuarão a estar enquanto não houver vontade para reconhecer que a principal dificuldade de jovens mimados como estes reside na transição para a idade adulta e na ausência de saberes para responderem às sucessivas e complexas questões que ela lhes coloca.
Olhemos para trás, custa pouco: os títulos mundiais conquistados pelo futebol luso neste escalão foram dois, em 1989 e 1991, ambos no magistério de Carlos Queiroz. Não mais experimentámos idêntica satisfação que neste século já foi vivida por Argentina (2001, 2005 e 2007), Brasil (2003 e 2011), Gana (2009), França (2013), Sérvia (2015), Inglaterra (2017) e Ucrânia (2019).
SE quisermos subir ao patamar acima, depara-se-nos o Europeu de sub-21, cuja edição deste ano está a disputar-se em Itália e para a qual falhámos o acesso no play-off com a Polónia: vencemos fora (1-0) e na segunda mão, em Chaves, os polacos, em menos de meia hora, marcaram três golos e resolveram o (seu) problema, além de terem dado notável exemplo de humildade e querer a um oponente que se enrodilhou na sua vaidade e no seu convencimento. Neste escalão, a antecâmara do futebol adulto, nenhum título o nosso país regista. O melhor que tem para exibir são duas finais perdidas: em 1994, com a Itália, e em 2015, com a Suécia.
Portugal é um país formador, sem dúvida, mas ainda não conseguiu passar a barreira dos sub-19, escalão em que venceu quatro campeonatos europeus (1961, 1994, 1999 e 2018). A partir daqui há um vazio, uma espécie de travão no percurso de aprendizagem e desenvolvimento, identificado e, inclusive, tema de discussão no passado. Pode parecer coisa pouca, mas não é. Os jovens crescem depressa e os clubes aceleram o processo ao colocarem nos seus expositores os praticantes mais dotados e pelos quais pedem compensações financeiras geralmente excessivas.
De aí que os nossos meninos crescidos com mais sorte se desinteressem das seleções, tentem escapar a uma liga de fraca visibilidade e arrisquem a fuga de um país sem condições de os reter para partirem ao encontro de milhões prometidos e nem sempre alcançados.
Falta uma revolução profunda ao nível das mentalidades, além de mecanismos que protejam os jovens da ambição de famílias toldadas pela ganância e da cobiça de intermediários sem escrúpulos.
O presidente do Benfica ter afirmado que vai procurar retardar em um ano ou dois, até onde lhe for possível, a saída dos jogadores formados na sua academia, é o próximo objetivo, mas não passa de louvável intenção, porque se eles não quiserem ficar, não ficam. É a força do dinheiro a mandar.
Mário Silva - O treinador responsável pela equipa de sub-19 do FC Porto que conquistou a Youth League da UEFA, a Liga dos Campeões daquela categoria, depois de ter espalhado ensinamentos em todos os restantes escalões do clube, desde os sub-12, entendeu fechar o seu ciclo na área da formação. Gostaria de continuar com os campeões de sub-19 na Liga 2, mas a Administração portista teve outro entendimento. Mário Silva respeitou a decisão, mas a vontade de abraçar outros projetos sugeriu-lhe que saísse para «crescer como treinador» e com a ideia de um dia voltar «pela porta grande». Ninguém sabe se esse dia chegará, mas é assim a vida. Há riscos que têm de correr-se e opções que devem ser tomadas. Não o conheço pessoalmente, mas admiro a sua atitude.