A azia de quem não ganha

OPINIÃO07.12.202003:00

GUARDIOLA não gostou de empatar no Estádio do Dragão. Não que a igualdade tenha, para o Manchester City, significado um revés nas aspirações na Champions - garantiu o primeiro lugar do grupo, até... -, mas, depois de um jogo que a sua equipa dominou totalmente, estava, percebeu-se, frustrado por não ter conseguido ganhar. É normal. Não vi, sequer, um tom assim tão acintoso quanto à estratégia utilizada pelo FC Porto nas declarações do treinador catalão e as únicas palavras que podem aproximar-se de uma crítica aconteceram quando disse que o City «fez tudo para ganhar» ou quando respondeu «perguntem ao treinador deles» quando lhe perguntaram se lhe pareceu que o adversário parecia satisfeito com o empate. Não foi, convenhamos, nada de especial.


«Merecíamos a vitória. Jogámos muito melhor, encostámos o Famalicão, que não fez praticamente nada. Limitou-se a defender, tentou sair para o ataque, mas nem isso conseguiu.» Não, não foi Guardiola a dizê-lo depois do empate com o FC Porto. As palavras são de Rúben Amorim e foram proferidas anteontem, no final do empate com o Famalicão. Estava, percebe-se, frustrado o treinador do Sporting por não ter conseguido ganhar um jogo que, parece óbvio, merecia ter ganho. E não consta que João Pedro Sousa, treinador do Famalicão, tenha ficado melindrado com o que disse Amorim. Porque não foi, convenhamos, nada de especial.


Guardiola estava, como costumamos dizer por cá, com azia depois de empatar com o FC Porto. Rúben Amorim estava, como costumamos dizer por cá, com azia depois do empate com o Famalicão. E podia encher este espaço com frases parecidas de Sérgio Conceição ou Jorge Jesus quando FC Porto ou Benfica não ganharam jogos que, no seu entender, mereciam ter ganho. Não vale a pena fazer dramas. Muito menos vale a pena virarmos virgens ofendidas quando um treinador estrangeiro de uma equipa com um orçamento quase ilimitado diz das nossas equipas, ou de um nosso treinador, o mesmo que os nossos treinadores dizem de equipas, ou de colegas, quando, por cá, defrontam adversários com orçamentos ainda mais limitados. Cada um joga com as armas que tem. Conceição usou as suas, bem mais limitadas do que as de Guardiola, e deu-se bem. Da mesma forma que Lito Vidigal, João Henriques, Vasco Seabra, Pepa, Daniel Ramos, Luís Freire, Mário Silva, João Pedro Sousa, Ricardo Soares, César Peixoto, Petit, Pako Ayestaran, Paulo Sérgio ou Sérgio Vieira usaram, ou usarão, as suas armas, bem mais limitadas, quando defrontaram, ou defrontarem, FC Porto, Benfica ou Sporting. Nem sempre se darão bem, mas quando derem sujeitam-se a ouvir de Conceição, Jesus ou Amorim o mesmo que Guardiola disse do FC Porto. E Conceição até respondeu bem: «Eu também estaria chateado se não tivesse ganhou com aquele orçamento e aquela equipa.» Ponto final. Arrisca-se, claro, a um destes dias ouvir o mesmo da boca de um treinador de uma qualquer equipa pequena que se limitou a usar uma estratégia de contenção para conseguir o melhor resultado possível. Faz parte.

OUTRA coisa, bem diferente - e essa, sim, deve ser criticada -, é a falta de educação ou a deselegância, que não pode, em circunstância alguma, ser justificada com a azia de um mau resultado ou com a adrenalina de um jogo mais intenso. Sim, sei bem que por cá se costumam justificar tiradas infelizes com frontalidade, que é outra coisa que todos prezamos muito e com que todos tentamos justificar deslizes que, numa ou noutra fase da nossa vida, inevitavelmente cometemos. Ser frontal e ser mal-educado são coisas diferentes. Aliás, tentar justificar má educação com frontalidade é, convenhamos, tudo menos ser frontal.