A 18.ª lei do futebol
Livre e Direito é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida
É das mais difíceis funções no futebol. Em rigor, sempre foi. Porém, dois fatores fazem com que a arbitragem seja cada vez mais um desempenho exigente, qualificado, para atletas de alto rendimento: a evolução do jogo e a introdução de elementos de universalização, como as transmissões televisivas com múltiplas câmaras ou, a montante e a jusante, a facilitada pressão pela emergência e efeito de boomerang das redes sociais.
Todos os árbitros conhecem as leis do futebol, todos sabem quantas são, quais são e como devem ser aplicadas. Nem todos, no entanto (seja pela falta de aptidões físicas ou por deficiente qualificação técnica) atingem patamares de excelência.
Portugal, depois de nomes como Carlos Valente, Vítor Pereira ou Pedro Proença, teve em Artur Soares Dias o expoente máximo da última década. Uma carreira recheada de nomeações significativas, a revelarem inteira confiança das instâncias internacionais. Não me tendo cruzado com ele, estive em 2015 na Nova Zelândia, no Mundial de sub-20 (onde o juiz português também arbitrou.
Ao encontrar-me, junto à Sky Tower, em Auckland, com António Mateu Lahoz (outro dos grandes nomes desta geração europeia de árbitros de topo), o valenciano não se coibiu a traçar um perfil de altíssima qualidade a Artur. Competência, leitura do jogo, conhecimento e interpretação das leis e, acima de tudo isso, companheirismo e espirito de grupo.
À altura, achei muito curiosas as palavras de Lahoz (que acabaria por dirigir também jogos do mais elevado risco na UEFA e na FIFA). Porém, a avaliação, por mais simples e transversal que seja, leva-nos a essa conclusão: ninguém, no mundo da arbitragem internacional de futebol, chega onde Soares Dias chegou e merece a confiança que o gaiense conquistou de Collina, Busacca ou Rosetti.
E agora, que o mais cotado juiz de campo português dos últimos anos se retira, é chegada a hora de um profundo trabalho de bastidores, de um lobby poderoso (e, nesse caso, a Federação Portuguesa de Futebol tem, nos bastidores e em posições muito significativas, contactos importante), de uma magistratura de influência para a reposição do numerus clausus mínimo no grupo de Elite da arbitragem da UEFA (onde apenas os melhores dos melhores conseguem a integração).
Soares Dias deixa um lastro do tal capital de confiança de que, há mais de nove anos, me falava Mateu Lahoz na longínqua Nova Zelândia, mas também do prestígio da sua carreira mais recente, com Jogos Olímpicos em Tóquio, duas edições do Euro e a final da Liga Conferência.
Imediatamente antes do Mundial do Catar, orientei, num país africano de língua oficial portuguesa, uma ação de formação exclusiva a repórteres e narradores de televisão. Quando questionados sobre o número de leis do futebol, nenhum dos profissionais sabia. Curiosamente, em Portugal sucedeu-me o mesmo, noutra ação de formação para uma estrutura e destinatários distintos…
É, no entanto, esta massa crítica que, semana após semana, empurrada por uma comunicação social conivente (em alguns casos medíocre, mesmo), se arroga o direito de justificar derrotas, maus momentos ou apenas maus ventos com as decisões supostamente erradas das equipas de arbitragem.
Estas querem-se equilibradas na leitura do jogo, justas na interpretação das leis, prudentes na gestão de crises e equidistantes na avaliação das consequências.
Artur Soares Dias foi o ultimo representante da arbitragem portuguesa ao mais alto nível, mas João Pinheiro e Luís Godinho estão na sua peugada. O minhoto e o alentejano, no grupo 1 do mérito da UEFA (na realidade, o segundo escalão internacional, só superado por duas dezenas e meia de árbitros de Elite), e prometem subir, degrau a degrau, a íngreme escada do sucesso.
São árbitros com estilos distintos, mas ambos com conhecimento técnico superlativo. Necessitam, como atrás sublinhei, mais do que nunca, de uma estrutura de apoio forte e com conexão internacional para poder potenciar o bom trabalho entretanto desenvolvido.
Em campo estarão, certamente, a Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) e o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Mas é necessário mais, no edifício da arbitragem portuguesa de futebol. É necessário que antigos árbitros de prestígio trabalhem em conjunto numa perspetiva positiva, integrada e agregadora, que permita pedagogia junto dos jovens árbitros ou de todos os que seguem o fenómeno do futebol.
Mais cedo ou mais tarde será também requerido aos jornalistas que gravitam na área do desporto que participem em ações básicas de formação para o setor. Bem sei que, em Portugal, se sabe sempre tudo e em todo o tempo, mas a humildade não fica mal e será reconhecida com as mais-valias obtidas para o exercício das respetivas funções.
E também será pedido aos árbitros que comuniquem mais e melhor, que frequentem ações de media training que os capacitarão, de modo muito mais eficaz, na comunicação com os adeptos e com os media.
Não se esgota o tema numa página, num dia ou num ano. A ele voltarei, decerto.
Mas, neste momento de viragem de página da sua carreira desportiva (e admitindo que estejamos potencialmente perante um excelente futuro dirigente…), importa aplaudir a coragem e a determinação de alguém que, apesar de tantas vezes escutar o seu nome jocosamente no café ou no supermercado, sempre soube que o equilíbrio e o bom senso são essenciais.
Afinal, a décima-oitava lei do futebol…
Cartão branco
Conheço Artur Lopes há muitos anos. Na Presidência da Federação Portuguesa de Ciclismo soube levar a modalidade, do ponto de vista organizativo, a patamares de excelência, conseguindo trazer, por exemplo, a Portugal e a Lisboa, um Mundial de estrada. Metódico e determinado, não admira que tenha sido unanimemente reconhecido como a figura ideal para prosseguir, ainda que por apenas um ano, o meritório trabalho de José Manuel Constantino à frente do Comité Olímpico de Portugal. Saberá deixar rasto e entregar uma casa preparada para o desafio da Olimpíada que culminará, em 2028, com os Jogos de Los Angeles.
Cartão amarelo
Quatro jogos, quatro derrotas. Não é ainda aflitivo, mas há um alarme natural a soar na capital algarvia. O Sporting Clube Farense demonstra-nos, nesta fase inicial da temporada, a volatilidade do futebol: um ótimo final, na época passada, um péssimo começo (não há como dar a volta ao termo…), em 2024/2025. Estrutura diretiva muito competente (José Luís é um exemplo como responsável), o mesmo treinador (muito experiente no futebol português). O que falhou na planificação para esta temporada? O que ainda pode ser alterado e melhorado? Uma análise imediata é necessária. Ainda por cima, o adversário de amanhã é o FC Porto, no estádio do Dragão…