4.º e 5.º poderes
«O tempo de partilhar declarações falsas acabou», avisou o jornalista Chris Cuomo, da CNN, algum tempo depois de o presidente americano chapinhar numa lama de aldrabices sobre as eleições nos EUA. Mais: as três maiores operadoras televisivas do país, a ABC, a CBS e a NBC, interromperam o discurso presidencial. Será tendencioso? Não, não é questão de lados. A verdade e os factos não têm lados.
Fazem os tempos crer que o quarto poder dos media é hoje um quarto do poder, não à parte, mas notadamente abaixo dos poderes consagrados, e separados, das sociedades democráticas, o legislativo, o executivo e o judiciário. Decorre esta só aparente supressão de força das facilidades tecnológicas, do desaperto dos filtros e de uma informação que nos chega preguiçosa, infantil e ignorante.
A nota da CNN e as paragens de ABC, CBS e NBC são, portanto, anunciativas. Vemos aos poucos um acrescento de funções à profissão - que talvez agora se ensine na universidade; há 17 anos, no fim do meu curso, não era tema central, só uma conversa dos bons professores - que faz com que o jornalismo, além de transmitir, comece a assumir a gradual responsabilidade de desmentir. Se a verificação de factos - fact-checking, como lhe chamam - já é um retorno à base da notícia, confirmar informações (agora depois de noticiadas...), o radical corte da mensagem, como fizeram à de Trump, talvez seja também uma volta à essencialidade deste trabalho: a mentira não é novidade nem é relevante, logo não é notícia. Fazê-lo será mais difícil se a mensagem é oficial, de personalidade, de clube, presidente ou órgão de soberania, em todo o caso parece-me evidente que calar, cada vez mais, informa. Atravessamos uma viragem que junta à obrigação legal de noticiar uma necessidade aflitiva de reforço ideológico. Informar e desmentir andam quase em igual medida, 4.º e 5.º poderes, pois que seja. É, se quisermos, um jornalismo musical, de notas e pausas.