Sustentabilidade e ética
Em termos eleitorais, e digo-o com satisfação, Rúben Amorim não é questão a debater em campanha
COMO já não me lembro de ter acontecido, as eleições do Sporting Clube de Portugal realizam-se num tempo de paz social e de sucesso desportivo, o que cria uma oportunidade para um debate construtivo para o futuro do Sporting Clube de Portugal, num tempo de muita incerteza que abala o mundo.
Como já tenho afirmado várias vezes, é tempo de debater não o treinador nem os jogadores - que estão bem e recomendam-se - mas sim, e sobretudo, a questão da sustentabilidade do sucesso desportivo, no clube e na sociedade anónima desportiva.
Não acreditava muito que se conseguisse uma alteração de modelo no clube e na SAD sem sucesso desportivo, como não acreditaria muito no sucesso desportivo, particularmente no futebol, sem uma alteração do modelo económico-financeiro. É muito difícil discutir ou debater o que quer que seja quando a bola não entra. Não está certo, mas é uma realidade incontornável.
Felizmente, na minha perspectiva, o Sporting encontrou o caminho no futebol para o sucesso, assentando o projecto na pessoa do treinador, que há anos sustento dever ser a base fundamental de um projecto. Costumo dizer que ao fazer um orçamento, com um determinado tecto em termos de massa salarial, em primeiro lugar ponderaria encontrar o equilíbrio entre a qualidade e o preço do treinador e, depois, o que restasse seria para os jogadores.
Para ser intelectualmente honesto tenho que afirmar que, apesar do que acima disse, muito dificilmente apostaria as fichas todas no treinador Rúben Amorim, não sabendo o que sei hoje da sua capacidade e dos resultados que tem obtido. Não se podem fazer prognósticos após o jogo, e por isso mérito de quem acreditou que estava ali o técnico e o comunicador para liderar a mudança.
E aquilo que parecia caro saiu barato, sendo que normalmente também o que é demasiado barato sai caro, como, mais grave ainda, aquilo que é caro e ainda se torna mais caro porque não produz nada, antes pelo contrário. Tantos exemplos podíamos dar, alguns até recentes, sobretudo no que diz respeito a jogadores!...
Por isso, a minha preocupação (como a de muitos sportinguistas) é a sustentabilidade de um projecto que está assente num treinador que, como se costuma dizer, não dura sempre, e pode ter outros legítimos interesses e outras legitimas ambições. De qualquer forma, para mim, independentemente desses interesses e dessas ambições, que eu aliás desconheço e não tenho que conhecer - embora tenha a minha opinião pessoal -, uma coisa defendo: não se pode deixar sair Rúben Amorim por razões financeiras, uma vez que se mantenham intactas as qualidades que hoje, quase unanimemente, lhe reconhecemos.
Por isso, a minha preocupação não é só o pós-Amorim, mas também, e sobretudo, o tempo de Amorim. Em termos eleitorais, porém, e digo-o com satisfação, Rúben Amorim não é questão a debater em campanha.
Sucesso de Rúben Amorim em Alvalade deixará o futebol longe da discussão na campanha para as eleições do Sporting
Mas voltando ao essencial da minha crónica de hoje, é que é bom este tempo de eleições ocorrer num momento de sucesso desportivo, porque quando os clubes estão mal surgem normalmente os oportunistas, com um discurso demagógico e populista, que se aproveitam das derrotas (e às vezes até desejam), pois é campo fértil para essas demagogias e populismos.
Espero, portanto, que esta campanha seja de ideias e convicções, porque o clube nasceu há muitos anos das ideias e dos ideais de alguns, e é hoje a convicção de milhões.
Nos tempos de hoje são cada vez mais necessários homens e mulheres com coragem e convicção para enfrentar as grandes questões que se nos deparam, como sejam, no momento actual, conseguir manter elevados padrões de ética e compromisso com os valores essenciais de um clube como Sporting Clube de Portugal, com uma grande história e tradição, com um prestígio nacional e internacional, resultado do esforço, devoção e dedicação de todos e cada um dos sócios e adeptos que compõem a instituição.
Por isso sugiro que na campanha se debata da necessidade de um Código de Ética que fixe os princípios e valores do Sporting Clube de Portugal e de todas as sociedades em que participe, e a que todos devemos aderir, sejam órgãos sociais, funcionários, sócios, bem como todos aqueles que trabalham para atingir os objetivos desportivos e de negócio, cada um dentro das suas funções e responsabilidades.
Alguns dos grandes clubes europeus, designadamente sociedades anónimas desportivas, elaboraram os seus códigos de ética para o aplicar a todas as pessoas associadas aos clubes: técnicos, jogadores, dirigentes, colaboradores, funcionários ou qualquer outra pessoa que tenha de agir em seu nome ou esteja sujeito à sua autoridade.
Quero dar apenas alguns exemplos dos princípios que devem nortear as pessoas que devem estar sujeitas ao referido código, como seja o princípio da tolerância zero para com a corrupção, um dos grandes obstáculos, designadamente em Portugal, à concorrência leal. Nas relações desportivas ou comerciais devem prevalecer sempre os princípios da transparência e da integridade.
Outro princípio, muito importante, é o da prevenção quanto aos conflitos de interesses, que, infelizmente, abundam na gestão dos clubes e de outras instituições ligadas ao futebol. Sem ser exaustivo, chamaria a atenção de que esse princípio deve ser preponderante no recrutamento de pessoal, em qualquer actividade, critérios de total transparência e objectividade profissional, e não os interesses ou relacionamentos individuais ou pessoais. O mesmo princípio deve ser seguido nas contratações com terceiros e nas relações hierárquicas, sendo que naqueles devem ser seguidos critérios objectivos e de total transparência e nestas não haver abusos de posições de autoridade para obter serviços de interesse pessoal.
A exigência na qualidade e comportamento profissional deve ser igualmente um princípio a valorar e uma regra a respeitar. Igualmente exigível será o respeito pela dignidade humana e a proteção dos menores e do ambiente.
Regras sobre a confidencialidade e a protecção de dados serão igualmente relevantes, devendo igualmente ser garantidos os direitos de propriedade intelectual e industrial.
Muitos outros princípios e valores podem e devem ser enunciados e muito gostaríamos de assistir ao debate sobre eles nesta campanha, tornando o Sporting pioneiro em Portugal na discussão e elaboração de um Código de Ética.
E, em minha opinião, a esse Código deveriam juntar-se normas sobre disciplina. E uma vez elaboradas essas normas sobre ética e disciplina, e compiladas num Código de Ética e Disciplina, sugiro desde já uma alteração aos Estatutos, como seja a retirada da disciplina do âmbito do Conselho Fiscal e a criação de um órgão - o Comité de Ética e Disciplina - com a missão principal de zelar pelo cumprimento dessas normas.
E por hoje é tudo. Mas contribuir para o debate de questões a aflorar durante a campanha será um dos meus objetivos nas próximas semanas.