'O livro dos cinco anéis' – A arte da guerra (Artigo de Vítor Rosa, 183)

Espaço Universidade 'O livro dos cinco anéis' – A arte da guerra (Artigo de Vítor Rosa, 183)

ESPAÇO UNIVERSIDADE22.01.202208:25

«O livro dos cinco anéis», escrito em 1643, é o livro mais conhecido do samurai Miyamoto Musashi (1584-1645). De um modo geral, simboliza os procedimentos de luta e de domínio sobre um ou mais adversário(s), mas, extrapolações feitas, pode ser aplicado em outros domínios da vida. Daí o seu sucesso e atualidade. Com alguma crueldade na sintaxe, o texto foi escrito de forma bastante simples. Revelou a sua arte marcial neste livro. Para o fazer, subiu ao monte Iwato, em Hiho, província de Kyushu, e pôs-se a escrever.

Os samurais, casta guerreira, eram assistentes da classe nobre. Do verbo japonês “saburau”, significa “servir como ajudante”. Nesta época, era da sua competência a defesa das vastas propriedades dos senhores. Em termos históricos, Miyamoto viveu no período inicial do terceiro Governo de Campanha, conhecido por Bakufu (paragoverno militar dos xoguns). O primeiro Governo de Campanha foi estabelecido perto do final do século XII. É conhecida por Era Kamakura. O segundo Governo de Campanha suplantou o primeiro em 1338. É conhecida por Era Muromachi. Só em 1868, com a Restauração Meiji, é que houve a preocupação de se unir o país.

A obra de Miyamoto é relativa à arte da guerra. Este duelista autodidata procura nela censurar a exibição sem sentido e a comercialização das artes marciais. Foca a sua atenção nos aspetos psicológicos e na parte física dos ataques letais, procurando a vitória na batalha. Como não existem muitos documentos da época, a vida de Miyamoto é fruto de lendas. Sabe-se que matou pela primeira vez com a idade de 13 anos (o adversário chamava-se Arima Kihei) e a última aos 29 anos. Terá depois abdicado de usar a espada verdadeira. Ainda assim, não se reformou da arte da guerra e continuou a infligir ferimentos nos seus adversários. Musashi aprimorou a sua arte de combate e criou a sua escola, chamando-lhe de “Escola Individual dos Dois Céus” (ou das duas Espadas).

Sem mestre algum, treinou de dia e de noite. Viajou de província em província e conheceu vários praticantes de artes marciais. Para este incansável guerreiro, “as artes marciais são a forma de vida do guerreiro”. Exorta a todos os comandantes e soldados a praticar. “Mesmo que não revelem destreza nesse campo, os guerreiros devem aprimorar individualmente as suas próprias artes marciais tanto quanto lhes for possível, atendendo às circunstâncias de cada um (Musashi, 2021, p. 27). O essencial era superar tudo e todos. Musashi é muito crítico relativamente ao ensino das artes marciais. Considera que elas foram transformadas em produtos comerciais, havendo pouco de substancial. Na sua perspetiva, era importante a utilização de duas espadas: tachi e katana (espada grande e espada).

Independentemente de saberem usá-las, era comum para os guerreiros trazê-las nos dois flancos. Não havia uma situação apropriada para cada uma. Tudo dependia do campo de batalha e do ritmo. “De acordo com a ciência militar, a forma de ganhar uma batalha passa por conhecer os ritmos dos adversários específicos e também por nos servirmos de ritmos de que os adversários não estão à espera, produzindo ritmos informes a partir de ritmos de sabedoria” (Musashi, 2021, p. 43). O domínio da sua ciência militar não se faz ao acaso. É preciso ter em atenção vários aspetos: identificar o que é correto e verdadeiro, praticar e familiarizar-se com as artes, conhecer os princípios dos ofícios, compreender o malefício e o benefício das coisas, ver as situações com precisão, tomar consciência do que não é óbvio, ser cuidadoso, não fazer coisas inúteis, ver o que é imediato num contexto mais vasto. Se os guerreiros aplicarem os princípios elencados, não conhecerão a derrota, independentemente do número de adversários. Esta aprendizagem aplica-se em qualquer campo de atividade. É preciso, na sua opinião, saber como evitar a derrota perante os outros, ajudarmo-nos a nós próprios e fazer valer a nossa honra.

O domínio do manejamento da espada não é fácil. Os movimentos dos pés, o olhar, a postura, os tipos de guarda, as aplicações das técnicas convencionais, os ritmos de batalha, os ataques e defesas, conhecer os movimentos e técnicas dos adversários, etc., devem ser tidos em conta. Isto requer anos de prática, milhares de horas de treino. O aperfeiçoamento é a razão de ser. É a Via.

Referência:

Musashi, M. (2021). O livro dos cinco anéis. Editorial Presença

Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa.