Por que perdeu o Benfica a Taça? (artigo de José Antunes de Sousa, 98)

Espaço Universidade Por que perdeu o Benfica a Taça? (artigo de José Antunes de Sousa, 98)

ESPAÇO UNIVERSIDADE17.05.202117:01

É sinal de boa educação responder a quem nos interpela. A resposta aqui vai, pois: o Benfica perdeu a Taça, disputada na Lusa Atenas, porque, lá no fundo, todos duvidavam que a viesse a ganhar.

Era uma dúvida difusa, obsidiante, quase untuosa, que se colara à alma das gentes do Benfica - e não há pior dúvida do que aquela que se faz sangue. E, convertida em sangue da existência, ela acaba fazendo mesmo sangue na vida.

Eu tenho o hábito de praticar a arte de prever o desfecho dos jogos, fixando-me na tonalidade - límpida ou baça - da expressão do rosto dos jogadores ao entrarem em campo: a sua linguagem corporal traduz o estado de crença ou descrença com que se lançam na tarefa.

O ar conformado, engelhado, rendido, do treinador, enrolado num discurso circular e contraditório - “queremos ganhar, claro, mas ganhar este troféu em nada modifica a época negativa que realizámos” (os meus amigos já ouviram falar em”inibição cruzada”?) só realça a insidiosa subtileza de dar como consumada a época desastrosa - e o resultado de Coimbra só veio confirmar essa íntima convicção.

A insuportável insistência em vestir a pele de vítima de um vírus alegadamente anti-benfiquista, contaminou, de forma negativa, a mente do grupo que, num registo subliminar, foi sendo contagiada por um nebuloso clima de um invencível fatalismo.

Meus amigos, a negatividade é contagiosa, mesmo quando mascarada de uma positividade artificiosa: não basta dizer,  é necessário sentir - dando por concretizado aquilo que se almeja realizar. Não é “queremos ganhar”, mas sentir que já se ganhou.

O Carvalhal quando entrou na cabine arrasado pela situação do pai (acabara de ser submetido a uma operação cirúrgica) e, ao confessar aos seus rapazes “estou todo borrado”,ele desencadeou uma onda de unidade emocional que se expressava na linguagem uníssona de uma vitória sentida como merecidamente sua.

Quando um treinador diz “é uma prova que queremos muito ganhar “, o mais provável é que perca: a vitória tece-se a partir do sorriso do coração e não a partir de um qualquer discurso, trapalhão e enrolado, que denuncia um coração triste e uma mente confusa - ambos, os coveiros de serviço do cemitério dos sonhos.

Ah, mas aquela arbitragem! Pois é: quando a mente está obnubilada, ela sempre inventa um expediente (mesmo que à custa da reputação do árbitro) para confirmar no exterior o que se conjura no interior.

Nenhuma das 45 (ou mais?) razões apontadas para explicar o desastre é suficientemente válida: o mal está noutro lado.

Eu tentei, noutro contexto, dar o meu modesto contributo, mas acharam que uma principesca remuneração para um iluminado dos trópicos era mais seguro. Enfim, é a nossa congénita xenofilia: a solução virá sempre de fora. Só que a solução - de tudo - está sempre dentro - de cada um!

José Antunes de Sousa

Doutor em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa