A socialização e as condições de formação para a profissão de futebolista (artigo de Vítor Rosa, 93)

Espaço Universidade A socialização e as condições de formação para a profissão de futebolista (artigo de Vítor Rosa, 93)

ESPAÇO UNIVERSIDADE05.04.202015:41

Um sociólogo francês, Julien Bertrand, levou a cabo um estudo durante três anos num centro de formação de um grande clube de futebol francês. O estudo foi publicado num livro em 2012, pela editora “La Dispute”, com o título “la fabrique des footballeurs”. A sua investigação desconstrói a imagem do talento desportivo como um dom e do futebol como via privilegiada de ascensão social dos jovens oriundos dos meios populares.

O fato de ter levado a cabo inquéritos em vários clubes permitiu-lhe reconstituir a “fábrica dos futebolistas”, descrevendo, de forma precisa, as etapas da socialização profissional no seio de instituições dedicadas a produzir (e a selecionar) a “elite” da modalidade desportiva. A formação de crianças e jovens no futebol foi fortemente institucionalizada ao longo das últimas décadas. Os clubes organizam a observação dos jogadores que têm qualidades desportivas. Tornaram-se a via privilegiada de acesso ao mais alto nível.

Esses centros de formação (Escolas Academias), como temos em Portugal (Sporting e Benfica) podem se aproximar das “instituições totais” (asilos, prisões), descritas pelo sociólogo norte-americano Erving Goffman, na medida em que mergulham o indivíduo num espaço separado, cortado do mundo exterior (sistema de internato). São verdadeiras “redomas” dotadas de espacialidade e de temporalidades particulares, que engloba a quase-totalidade da existência dos seus membros e impõe-lhes fortes constrangimentos.

A socialização no seio dos clubes pode ser caraterizada pela sua longevidade (o “aprendiz” compromete-se por vários anos), a sua intensidade (vários treinos semanais), a sua seletividade e o seu caráter precoce. A análise de Bertrand é muito interessante, pois é contra uma “visão natural” da carreira desportiva, que terá mais chances de sucesso pelo simples produto de um determinismo biológico. De fato, aprende-se a ser futebolista. Fabrica-se!

Vítor Rosa

Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa