12 maio 2024, 14:21
St. Pauli está de volta à Bundesliga!
Na última jornada da Bundesliga 2, o St. Pauli vai discutir o título de campeão com o Holstein Kiel
Símbolo hipster, tem-se destacado também fora dos relvados pela paixão pelo futebol 'vintage' e pelo discurso de alerta sobre inúmeros temas sociais
A subida do St. Pauli e da bandeira pirata à Bundesliga, confirmada este domingo, significa o reforço do futebol de culto alternativo, antissistema, anticapitalista e antimoderno no principal escalão alemão. É ainda o regresso de um emblema embaixador dos direitos dos trabalhadores, das mulheres e da comunidade LGBTQIA. Jackson Irvine, capitão dos Die Kiezkicker, não poderia ser maior representante de uma outra «forma de vida» que se torna evidente a cada minuto passado no estádio Millerntor, bem perto do Reeperbahn, centro da vida noturna de Hamburgo.
No Catar, ao serviço da seleção australiana, destacava-se pelos 1,89 metros de altura, o cabelo comprido amarrado em rabo de cavalo e o bigode bem tratado. Jackson Irvine dava-se a conhecer ao mundo debaixo da camisola amarela dos Socceroos ao mesmo tempo que adquiria também outra dimensão fora dos relvados. Hoje, menos de dois anos depois, é um ícone e capitão de um dos mais icónicos emblemas do planeta: o Sankt Pauli.
Em campo, não sendo um portento técnico, é um jogador importante. Um exemplo de compromisso e de trabalho. Um líder. Esta temporada, com 31 anos, participou em 29 jogos, marcou 6 golos e assinou 8 assistências. Longe dos tapetes de jogo, é um símbolo da moda hipster. São inúmeros os trabalhos fotográficos em que participa e as entrevistas que dá por representar uma imagem alternativa. Com a camisola da Austrália vestida, já chegou a jogar com as unhas das mãos pintadas.
Usa o corpo como forma de expressão, até mesmo pelas inúmeras tatuagens que ostenta, as duas primeiras feitas numa escapadinha a Copenhaga aos vinte e poucos anos: desenhou uma pequena flor no braço e no peito a frase «One more with feeling» («Uma vez mais, mas com sentimento»), retirada da popular série televisiva Buffy, a caçadora de vampiros. «A Buffy é, sem dúvida, uma das favoritas», garantiu numa das muitas entrevistas já dadas. Nesse episódio, as personagens contam coisas sobre si próprias a cantar, e Irvine ficou tão fã que tem a banda sonora em vinil. Tem gravadas na pele ainda referências a Twin Peaks, Seinfeld, ao cantor Lou Reed, entre muitas outras. «Acho que as pessoas se identificam com as minhas referências e veem ali um pouco de mim também.»
Quando em modo casual, tem sempre vestida uma camisola de futebol vintage. «Quando era pequeno não usava mais nada. A primeira com que fui fotografado, por volta de 1995, foi uma velhinha do Aberdeen, o clube da cidade onde o meu pai nasceu. Tinha um ou dois anos. A minha família veio à Austrália e trouxe-me essa camisola e uma outra da seleção escocesa», explicou. A coleção cresceu. «Outra das minhas memórias mais fortes é quando, aos cinco ou seis anos, me ofereceram a do Manchester United, por altura da vitória na Liga dos Campeões em 1999, e eles vieram à Austrália para jogar um particular com a nossa seleção. Por isso, essa também tem um grande significado para mim.»
O pai Steve foi jogador semiprofissional na Austrália, e a avó materna, igualmente futebolista, também emigrou da Holanda e o acompanhou na infância. Não havia escapatória para não ser futebolista mesmo que o quisesse. Ainda representou a Escócia nas seleções jovens, mas nos sub-19 já era um socceroo. Esteve no Celtic, passou pelo Hull City, de Inglaterra, e assentou arraiais no St. Pauli, este domingo promovido à Bundesliga alemã. «Acho que as pessoas pensaram que eu era mais uma aposta de marketing do que futebolística. Este clube é único em termos de comunidade, adeptos e valores que apoia, e eu acredito neles. Representa um ambiente futebolístico único e creio que o futebol poderia aprender com isso para ser mais claro sobre os seus valores, estar na mesma página em determinados assuntos e ter uma voz forte na sociedade. Para mim, foi a decisão certa, em campo e fora deste, e provavelmente não haverá muitos outros jogadores com sorte suficiente para encontrar um lugar onde encaixam tão bem.»
Ao ser um ícone, é natural que as marcas o procurem. Mas ele recusa. «Prefiro liberdade. Todos os aspetos da minha vida, seja a forma como me visto, a música que ouço ou qualquer outra coisa que faça tem de ser autêntico, genuíno e realmente expressar o que sou.»
As camisolas de futebol, com o qual poderia abrir uma pequena loja e assim libertar espaço em casa, o que teria certamente aprovação da namorada, são uma forma de fazê-lo, mesmo que por vezes deixe escapar o momento. «Sou talvez o pior jogador do mundo com quem trocar camisolas no final de um jogo. Estou tão excitado com uma vitória ou tão focado durante o jogo que nunca me lembro para parar e pedi-las. E logo depois, no balneário, lembro-me que perdi mais uma oportunidade. Aconteceu quando eliminámos o Dortmund na Taça e no Mundial, por exemplo. Estava tão desapontado com a eliminação que deixei escapar a camisola do Messi.»
12 maio 2024, 14:21
Na última jornada da Bundesliga 2, o St. Pauli vai discutir o título de campeão com o Holstein Kiel
O futebol moldou-o, mas agora é apenas um local da sua expressão individual. E essa não é feita apenas através da roupa que veste ou das bolas em que toca. Irvine é um jogador de intervenção, que já alertou para as alterações climáticas, para os direitos indígenas e a reconciliação entre povos na Austrália, e defendeu a igualdade de direitos entre jogadoras e jogadores, e dos trabalhadores e da comunidade LGBTQIA no Catar. «Interessamo-nos pelas coisas, quando tentamos ou fazemos qualquer mudança, seja apenas um alerta para as pessoas que não estão conscientes do tema ou estejamos ativamente a tentar essa mudança ao trabalharmos com organizações ou a ser mais proativos. É um mundo difícil aquele em que navegamos, e não queremos alienar partes da nossa audiência, dos adeptos, da comunidade ou do país. Mas no final do dia, se temos sentimentos fortes sobre isso e vemos uma injustiça e queremos chamar a atenção ou partilhar uma ideia, então é importante fazê-lo.»
O St. Pauli é um clube de culto e parece ter encontrado em Jackson Irvine o melhor capitão que poderia ter. Numa altura em que grande parte do futebol alemão continua a recusar a modernidade materialista do jogo em defesa dos valores tradicionais, com constantes manifestações nas bandas por parte dos adeptos, ambos são uma óbvia boa notícia.