Público nos estádios (artigo de José Neto, 132)

Espaço Universidade Público nos estádios (artigo de José Neto, 132)

ESPAÇO UNIVERSIDADE17.08.202120:31

A partir do início da presente época desportiva o colorido dos estádios volta a contar com o cântico dos adeptos, sedentos de ao vivo reencontrar o seu espaço de aplauso pela cor clubística, gritando e vibrando com o peso da sua bandeira numa profunda relação de apoio participativo.

Como referia no artigo 102: “as equipas na sua globalidade fazem do público o seu 12.º jogador e desse eco desencadeado do empenhamento e discussão de cada lance até à última gota de suor, fazem a reconstrução substantiva do rendimento para o êxito. O Futebol sem adeptos transforma-se num jogo sem alma. Contudo, em equipas habituadas a ter pouco público ou até com adeptos de difícil controlo pelo abuso duma discussão permanente, com o uso do seu dedo em riste e vozeirão com gritos lancinantes contra os jogadores que falham, pode não parecer nada favorável. Sem público duma forma genérica os jogadores podem entrar mais relaxados, acusando um deficit de concentração, na esperança de ver escondidos alguns erros cometidos pelo medo de perder, ou encobertos os sentimentos de coragem e ousadia de quem tudo faz para ganhar, podendo causar tábua rasa do elogio através do aplauso ou da confrontação crítica por via da represália.”

Neste largo tempo da impossibilidade de presença dos adeptos nos estádios verificaram-se de forma genérica em alguns dos campeonatos, resultados em queda significativa no rendimento das equipas que jogavam em casa. Enquanto antes desta tomada de decisão de imposição de ausência dos adeptos nos estádios, as equipas que jogavam em casa obtinham 45% de vitórias, 20% de empates e 35% de derrotas, sem público, o registo de observação tomou uma configuração praticamente invertida, assumindo 45% as vitórias dos visitantes, etc.

Pela ausência dos adeptos ainda se viram beneficiados as posições dos guarda-redes e dos árbitros. Os primeiros pela maior possibilidade de comunicação com a equipa e os segundos pela maior tranquilidade na gestão do julgamento dos lances, dada a inexistência da pressão externa que geralmente faz aumentar o estado de tensão a quem compete julgar o jogo. No âmbito da observação e qualificação do jogo, observou-se um maior número de passes, diminuindo-se o número de dribles, sendo a qualificação da dinâmica do jogo justificada pela lei da espectativa, diminuindo o domínio de pressão em zonas de ataque e defesa, vendo-se ainda diminuídas o número de faltas e penaltis assinalados para as equipas que jogavam em casa e no setor da arbitragem um aumento de mostragem de cartões a essa equipas comparativamente às equipas visitantes.

Não obstante a necessária atenção para a proteção do adepto, restringindo os espaços e obrigando à avaliação de comprovação de capacidade sanitária conforme se encontra definido, penso que não obstante uma restritiva capacidade de ocupação dos adeptos nas bancadas, o Futebol vai ganhando vida pelo eco gerador de expressões de afeto envoltos duma vibrante coreografia, acumulando vivências admiráveis cobertas de alegria e paixão, cuja ausência … já era saudade!...

Obs 1 – uma nota para um facto novo e que está a gerar bastante discórdia – a questão do cartão do adepto para se ter acesso às zonas de condições especiais, ou seja, ao local onde ficam os adeptos das equipas visitantes, ou outras. Creio que   várias zonas para vários adeptos, limitando a idade dos mesmos e o dispêndio económico para a aquisição do mesmo, poderá ainda mais dividir do que unir a necessária envolvência participativa.

Se é fundamental combater o racismo e o mau comportamento dentro dos estádios, melhores e mais adequadas fórmulas existem para combater essas “bestas que em público por vezes se mostram esplêndidas”. Não seria difícil captar e selecionar as imagens degradantes que não têm nada a ver com o belo jogo e colocar em ação a possibilidade de irradiar em tempo a hipótese de acesso, cumprindo a pena aos dias dos jogos num espaço da sede de Polícia, possibilitando-lhes a disponibilidade de ouvir o relato.

Obs 2 – Tenho ouvido nos comentários pós jogo, por parte de alguns treinadores que os jogadores não estavam habituados ao público nas bancadas … entraram um pouco ansiosos… tinham dificuldade de ouvir a mensagem, etc… é quase como as desculpas dos últimos minutos ou de ter tido um ou mais jogadores expulsos … ou … e são tantas as desculpas!... A dinâmica do treino quer na base da engenharia ambiental, quer no âmbito da interligação de contraste, quer ao nível das competências do comportamento, têm uma resposta que quase sempre nasce da dúvida e se alimenta da incerteza, fundamentalmente para aqueles que têm a humildade para aprender para ter mais competência para exigir!...
 

José Neto: Metodólogo em Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Formador de Treinadores F.P.F./U.E.F.A.; Docente Universitário – Universidade da Maia.